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julho 29, 2010

2:44

De repente, acordei. Num susto.
 
Estranho. O quarto inteiro estava em silêncio. Tirei o lençol amontoado de cima de mim, olhei em volta e o cômodo continuava escuro, apesar da janela aberta. Ainda não é dia, concluí. E portanto, eu não estava atrasada para porra nenhuma. Não havia nada, nada ali que indicasse um bom motivo para a interrupção do meu sono. Nada, a não ser... espera.
 
Espiei debaixo da cama e vi o meu celular com a tela acesa, largado no chão. Mensagem nova, pensei, o barulho deve ter me acordado. Tal a teoria até que fazia sentido, considerando a lógica da coisa, mas o contato de terceiros para comigo em plena madrugada de segunda-feira me parecia extremamente improvável. Mesmo que já fosse terça, tecnicamente. Que seja. Me espichei para alcançar o meu fiel companheiro antes que a luz dele se apagasse e eu passasse uns possíveis cinco minutos tentando tateá-lo no chão em meio ao breu.
 
Deitei de novo na cama e olhei para a tela, sem antecipar o que encontraria ali. Como é?, arregalei os olhos, totalmente despreparada para aquilo. E li novamente: “é meu aniversário, ñ consigo dormir... eu ñ sei oq tá acontecendo cmg. com a gnt.” – a Mia me enviou, às 2:44. Caralho. Respirei fundo. O que mais eu poderia fazer senão respirar fundo e engolir aquele soco no estômago em silêncio?
 
Meu deus. Àquela hora da madrugada, eu não conseguia lidar com uma mensagem daquelas e muito menos com o “a gente” ao final. A gente quem, Mia? Soltei o ar pouco a pouco, ainda sentindo todo o tempo que ela tinha me ignorado engasgado na minha garganta, e então retornei à tela inicial do celular. Eram 2:46. Passei as mãos no rosto, agoniada. E agora?
 
Por mais que eu quisesse ignorar aquele rolo todo e voltar a enfiar o meu rosto no travesseiro, eu não conseguia. Ela tá acordada. E eu sabia. Sabia e a imaginava, contra a minha vontade, enquanto o meu sono se esvaía. Com a certeza de que, num quarto igualmente escuro em algum lugar de Higienópolis, deitada em sua cama, a Mia esperava por uma resposta minha. Algo que acalmasse a sua angústia, a sua falta de direção – qualquer coisa que lhe devolvesse o sono.
 
Mas por que eu faria isso?, pensei. E rancorosa, logo desisti de digitar uma resposta.
 
Por quê? Por que responderia agora se, quando bem quiser, ela me trata como... como... “Como um nada”, eu queria concluir, mas a memória de quinta me impediu. Veio o show e o carro e o quarto, um por um na minha cabeça. A forma como ela me beijava e sorria, afundando o rosto no meu pescoço – eu sabia que não tinha sentido aquilo sozinha. Eu... e-eu não sou um nada, tentei me convencer, sem muitas certezas para me apegar. O meu coração se revirava no escuro.
 
Essa também era uma situação igualmente difícil de encarar. Para mim e para ela. E eu sabia disso, afinal, a gente estava atolada na mesma lama. Empatia era o mínimo que eu poderia ter. Mas aí tinha o sábado, não é, uma lembrança nada agradável. E para ajudar, tinha também o Fer – tanto para mim, quanto para ela – deitado no quarto ao lado, desavisado de todo o contexto. E o resultado, após minutos de indecisão, é que eu simplesmente não conseguia responder. E nem dormir.

julho 28, 2010

Então, passou

O resto daquela noite e o dia seguinte e a noite inteira daquele domingo. Passaram. Indiferentes, involuntariamente. E eu, se é que eu estava lá, me mantive num estado deliberado de inconsciência. Aí veio segunda. E o trabalho também passou – como um nada na minha vida. Depois casa, jantar, TV, chuveiro, internet, cama e a segunda-feira já tinha acabado também.

Incrível como uma só pessoa pode te fazer tão bem numa noite e, dois dias depois, te transformar num vegetal só por cruzar a porra do seu pensamento, não é? Pois é. Já eram meses e meses daquela merda instável – e não, eu não tinha me acostumado ainda.

#FAIL

Duas derrotas depois e eu perdi o ânimo de jogar. Droga de sapatão. E foi aí que desandou – o excesso de bebida e a falta recorrente de dinheiro começaram a ter o efeito contrário em mim. Merda. Toda distração momentânea daquele rolê escapava por entre meus dedos, o barulho no bar parecia aumentar com as horas, as cervejas não paravam mais de vir e a minha cabeça já rodava de um jeito desagradável. E o que é pior: meu coração começava a ficar sóbrio.

Me larguei sentada numa cadeira qualquer, mergulhada nuns pensamentos errados. E então, fiz o que não deveria – peguei o celular na mão e o segurei ali. Como se fosse tocar a qualquer momento. Numa insistência bêbada e burra. Inconscientemente desejando que a mensagem daquela tarde não fosse a última. Que ela mudaria de ideia e me escreveria, que me salvaria de mim mesma. É, a Mia. Ah, a Mia. A questão é que eu nunca deveria ter me esforçado tanto para não pensar nela. Não por tanto tempo. O tiro começava agora a sair pela culatra e a desgraçada voltava violentamente para o meu peito. Como se nunca o tivesse deixado – e de fato, não tinha.

Ô, inferno.

Me ajeitei contra o encosto, desconfortável. Então larguei o celular na mesa à minha frente e meti as mãos nos bolsos da calça, me afundando naquela cadeira de plástico. Encarava o telefone fixamente, sentindo a cerveja se misturar com a lembrança ainda viva de duas noites antes, dos nossos beijos e de como eu a amava, embriagando os meus sentimentos mais amargos. E o resultado é que eu tive que sair dali. Não podia mais ficar. Não assim – emburrada e calada em um canto, obsessivamente contemplando a ausência dela na minha vida no meu telefone. Não. Insisti até não dar mesmo para aguentar, aí inventei qualquer desculpa para a minha amiga – que a esta altura já estava pegando a caminhão do chinelo – e me coloquei a caminho de casa.

Como eu deixei chegar a esse ponto, porra, pensei, enquanto acendia um cigarro, irritada. Me revoltava com a saudade que eu sentia de estar com ela, com a solidão que me tomava de repente, conforme soltava a fumaça no ar e atravessava a rua em direção à Frei Caneca. Droga. Então tentava me lembrar do que a Marina costumava dizer, que “ninguém sabe o que tá fazendo, todo mundo tá na mesma merda”, mas aquilo não me fazia sentir melhor.

Passei em frente à banca próxima ao meu prédio e, em poucos minutos, já estava de volta em casa – de onde eu sequer deveria ter saído. Atravessei pela sala, pelo corredor e entrei no quarto. E não, não havia ninguém ali. De novo. Sábado à noite, concluí a contragosto. Eu já havia aprendido a lógica, mas parte de mim não queria se lembrar. Deixei a carteira e o maço em cima da cama e fui para o banheiro, numa tentativa de esfriar os ânimos.

Eu não devia ter falado nada, me arrependia, enquanto arrancava a camiseta do corpo e a largava no chão, não devia ter mandado porra de mensagem nenhuma. Argh. Me sentia uma idiota. Uma porra duma idiota. Como se tivesse me exposto à toa, dizendo que queria vê-la, perguntando se estava com ele, quando o seu silêncio na sexta e naquela manhã já tinha sido claro o suficiente. Por que eu não fiquei quieta? Pelo menos eu ia me poupar de... Argh. Tirei o celular do bolso da calça e o abri, num impulso, olhando para a mensagem da Mia mais uma vez. Caralho.

Então, coloquei o telefone de lado. Chega. Eu não posso entrar nessas. Tirei a calça e entrei no chuveiro frio, determinada a não remoer mais os meus sentimentos. E por uns minutos, deixei a água escorrer na minha nuca para amenizar a dor de cabeça e aquele peso nos meus ombros. Saí do banho me sentindo melhor e desliguei o telefone, indo para o quarto me trocar. De camiseta-de-ficar-em-casa dos Stooges e banho tomado, por fim, tentei me forçar a dormir para acabar logo com aquele dia de merda.

Uma hora, isso tem que passar.

julho 26, 2010

Pequena trégua

“Rapidinho”. Eram nove e meia e nós continuávamos enfurnadas no mesmo snooker bar sujo de horas antes, cercadas de outras sapatas e umas sapateens com idade suficiente para estarem no ensino fundamental – e que provavelmente se sentiam mais em casa ali, no meio das caminhoneiras, do que frente aos olhares de julgamento dos seus pais. Eu amava aquela imundice dyke paulistana, os tão estimados botecos de sinuca da Augusta. De certa forma porque, em algum momento, anos e anos antes de sair do armário, aquele também tinha sido o meu “lar” fora de casa.

Como um verdadeiro rei em meio às sapatonas, o Bruce tinha se acomodado debaixo de uma das mesas e ia ganhando sobras de comida a cada 5 minutos. Cada vez de uma mão diferente, em segredo, enquanto ele abanava o rabo. O meu dinheiro já tinha acabado completamente. Àquela altura, eu sobrevivia no rolê às custas das cervejas e aperitivos alheios – mas, para dizer bem a verdade, ninguém mais sabia quem tinha comprado o quê. Era tudo socializado.

Depois de cinco ou seis rodadas de cerveja, me encontrava levemente bêbada entre umas amigas da Thaís que trombamos ao acaso ali, em meio às garrafas e cinzeiros e tacos, bebendo e falando mais do que deveria. Fiz amizade com uma delas, que me humilhava na sinuca pela segunda vez no dia, e acabei perdendo quatro das cinco vezes que jogamos uma com a outra. O meu orgulho já estava no chão. Reuni o pouco que restava e fui atrás da Thaís para pedir patrocínio. Na maior cara de pau. Afinal, quem perdia providenciava também a ficha para o jogo seguinte.

Minha amiga estava sentada numa das mesas de trás, ao lado do Bruce e a poucos metros de mim, flertando com uma caminhão dessas de chinelo, camisa aberta e regata por baixo. Um clássico. Tive a impressão de que já a tinha visto algumas vezes ali pela Frei Caneca. E quando me aproximei, a Thaís começou a rir, me olhando como se pudesse prever o motivo da minha visita àquelas bandas.

_O que cê quer agora? – ela achou graça e eu coloquei os braços ao seu redor, prestes a implorar – Hein, desgraça?!
_Pô, vê mais uma ficha para mim...
_Cê não tem vergonha na cara mesmo, não é, não? – ela se divertia comigo – VELHO, CÊ TÁ PERDENDO UMA ATRÁS DA OUTRA!
_AH, MEU! OLHA QUEM VOCÊ ME APRESENTA, MANO! ESSA CRETINA PARECE PROFISSIONAL, NUM ERRA UMA, PORRA! – resmunguei, bêbada – Vai. Por favor... Por favorzinho! Eu preciso ganhar minha dignidade de volta, cara.
_Tá, tá... – ela riu e tirou alguns trocados do bolso – ...mas vê se ganha uma pelo menos, caralho!

Agora vai.

julho 23, 2010

Marasmo

Ergui os braços sobre a cabeça, me espreguiçando por uns segundos, e em seguida os soltei sobre o colchão – cada músculo do meu corpo estava exausto. E relaxado. Podia facilmente dormir por algumas horas. Virei o rosto e observei a Thaís, que se esticava para fora da cama como se procurasse algo no chão. Então voltou com um dichavador e um pacote de seda na mão. E imediatamente repensei o meu desejo para aquele fim de sábado – fumar um, cochilar e aí comer uma pizza quando acordar, é, é isso.
 
Alheia aos meus planos, sentada mais acima no colchão, a Thaís desfazia a ponta que acendemos juntas em frente ao boteco horas antes. Misturou o resto com um pouco mais de erva no dichavador, depois fechou e começou a girar. Suas mãos eram inteiras tatuadas – uma mariposa old school na direita e um pardal na esquerda, além duns desenhos menores rabiscados nos dedos. Tinha os dois braços fechados, as costas, a lateral do pescoço e parte das pernas, onde os traços se misturavam com seus pelos. Era um tesão.
 
Caralho – a admirei, imersa no momento. Então virei o corpo na sua direção, deslizando os dedos instintivamente pelos seus pelos, enquanto ela dichavava, e a lambendo perna acima. Bem lentamente. Subindo pelo seu joelho, sua coxa, sentindo a sua pele arrepiar contra a minha língua. 
 
_Meu... – ela riu – ...acho que preciso dar um tempo, cara. 
 
Argh. Joguei o corpo de volta no colchão e revirei os olhos para ela, rindo.
 
_Arregona.
_Velho, sou nada, cê que é muito intensona... – resmungou – Sossega aí.
 
A Thaís balançou a cabeça, achando graça, enquanto abria o dichavador e virava toda a maconha numa seda. Bolou habilidosamente entre os dedos e lambeu a beirada, apertando o baseado. Então o acendeu.
 
_Mano, mas... – comentei, observando ela tragar – ...cê não sente que a melhor parte do sexo é quando cê num aguenta mais e mesmo assim continua?
_Hum – soltou a fumaça e sorriu, me passando o baseado – Pode ser.
_Sabe quando cê pensa “num dá mais” e aí dá?
_Sei – ela riu, enquanto eu dava um pega – Mas eu ainda preciso dar uns 10...
 
Passou a mão no cabelo curtinho e a esticou em seguida, para pegar o baseado de volta. Notei o seu olhar percorrer o meu corpo discretamente. E então sorriu, balançando mais uma vez a cabeça:
 
_Velho, isso é muito doido...
_O quê? – perguntei, soltando a fumaça para cima.
_Isso. Eu e você, aqui.
_Né?
_Se alguém me perguntasse hoje de manhã como ia ser minha tarde... – achou graça – ...eu nunca ia ter adivinhado.
_Olha... – me espreguicei mais uma vez – Por outro lado, sei lá, eu meio que sempre soube que ia acontecer um dia. Cê não?
_Pode crer.
_Rolava uma curiosidade...
_Mano, muito fogo no rabo – ela riu – Era só questão de tempo...
 
Nos olhamos por um instante e a Thaís me empurrou de leve, fazendo graça. Me sentia bem de poder falar com ela sobre o nosso pequeno delito. Sentei na beirada da cama e alcancei meu maço no bolso da calça, que estava amassada num canto do colchão. Coloquei um dos cigarros na boca e olhei para a janela – o apartamento dela ficava no terceiro andar dum predinho baixo da Peixoto Gomide.
 
Me levantei e senti o olhar da Thaís me acompanhar pelo quarto. Abri o vidro, me apoiando no parapeito sem uma roupa sequer no corpo, enquanto os sons de São Paulo invadiam o cômodo. A juventude porralouca paulistana já começava a lotar a rua – e qualquer um que olhasse para cima da calçada facilmente veria os meus peitos ali. Mas que se dane. Acendi o cigarro e pus-me a observar o movimento naquele começo de noite gelado. Passei a mão no meu cabelo bagunçado, tirando-o da cara meio de qualquer jeito. E senti o vento arrepiar toda a minha pele.
 
De repente, ao fundo, ouvi a Thaís murmurar algo.
 
_Cê falou alguma coisa? – apoiei as costas contra a janela, me virando para dentro por um instante.
_Falei... – ela riu – ...eu perguntei... – repetiu, colocando o braço atrás da cabeça – ...quando que cê vai me deixar tatuar essa sua pele aí.
 
Com os seus olhos em mim, o comentário soava mais como um xaveco. E me fez sorrir.
 
_Olha, quando cê quiser, eu também topo...
_É? – ela sorriu de volta, como se falássemos de outra coisa – Tá faltando uns rabiscos meus aí.
_Tá. Tá sobrando muito espaço... – eu ri.
_Meu... Eu não ia dizer nada, mas tá mesmo, velho – mudou o tom, me zombando – Tá vergonhoso isso aí. Porra! Já num basta o vexame que cê é na sinuca, nem para compensar em tatuagem...
_Ah! Vai se foder, mano!
_Quê?!
_Num ouvi ninguém reclamando meia hora atrás.
 
Arqueei as sobrancelhas e a Thaís deu de ombros, debochada, como se tivesse razão. Revirei os olhos e me virei outra vez para fumar na janela, achando graça, apoiando o corpo contra o parapeito. O barulho do lado de fora intensificava junto com a aglomeração que se formava na Peixoto. E assim que coloquei o cigarro na boca, em meio às buzinas e gritos bêbados da rua, tive a impressão de escutar algo também do lado de dentro.
 
_O quê? – encarei o quarto mais uma vez, para ouvir direito.
_Que foi?
_Achei que cê tinha falado alguma coisa...
_Não – ela riu – É o Bruce que tá fazendo escândalo na porta.
 
O Bruce era um vira-lata misturado com boxer, já velho e meio cego, que a Thaís tinha adotado um ou dois anos antes. Era o amor da vida dela e o cachorro mais boa praça de toda Baixo Augusta – e que agora arranhava o vão da porta do quarto, choramingando, como se a sua vida dependesse de um passeio para mijar nos postes da vizinhança. Traguei mais uma vez, soltando a fumaça rapidamente para o lado de fora, e caminhei até a beirada da cama.
 
_Vamos dar um rolê com ele – falei, esticando a mão e oferecendo o cigarro para a Thaís.
_Agora?
_É – peguei a cueca no chão e vesti, rindo – A gente desce rapidinho.
_Bora então.

julho 20, 2010

Timing

Dali para o apartamento dela, contando os menos de cem passos necessários, levamos dois minutos. Da porta até eu colocar minhas mãos na Thaís foram menos de dois segundos. E nos dois milésimos seguintes, a sua boca já estava na minha – com gosto de cerveja e baseado. O meu corpo pressionava o dela imprestavelmente contra a parede. Mas algo naquele primeiro beijo foi estranho.
 
Não era só o mero estranhamento de ficar com uma amiga, mas... não sei. O que há com você, porra, me indignei comigo mesma. Faz direito. Forcei os olhos, fechados, e me obriguei a ignorar o incômodo de me pôr naquela situação. Tudo fluiu bem até aqui, por que tem que estragar justo agora? Argh. Não queria pensar na Mia. Queria fazer o que bem entendesse, queria beijar quem me desse vontade. Mas, de repente, não era assim que eu me sentia.
 
E foi difícil, como nunca antes. Uma vez que começamos era como se eu não precisasse mais pensar – da minha boca à ponta dos meus dedos, tudo se convertia em sacanagem. Por dentro, todavia, segurar alguém com o coração em outra é bem mais complicado do que pode parecer. E aquela rodada em especial foi bastante difícil.
 
Mas enfim, foi.
 
E no fim, restei eu – acompanhada da minha amiga na cama, sem roupa ou paz alguma de espírito. É. Eu já devia ter aprendido, passei a mão no rosto, frustrada com o fracasso absoluto daquilo. Numa tentativa desesperada de assumir o controle dos meus sentimentos, como se pudesse consertar o presente com os métodos do passado. Aquele era o fim da linha.
 
Sentei no colchão, colocando os pés descalços no chão frio. E senti o peso do ar deixando os meus pulmões – amargamente. Pronto. Você já veio, já fez o que tinha que fazer. Tentou e não deu certo, agora pega suas coisas e vai embora. Me levantei, sem pensar, e peguei o celular para ver as horas. A Thaís continuava deitada, falando desavisada sobre qualquer coisa, quando de repente vi uma resposta tardia da Mia na tela. Não a havia notado ali e mal li. À primeira impressão, a economia de palavras me empurrou de volta para a cama. Já o “desculpa” seguido de um “não” e, um pouco depois, do “Fer” me tirou a boxer na mesma hora.
 
E dessa vez, não foi nada difícil.

Botequinho

Sentei naquele snooker bar sujo, contando os poucos trocados que eu tinha no bolso. R$ 2,47. Isso só me garantia 4 fichas – talvez 5, se eu chorasse um pouco para o cara do caixa. Enfiei as moedas de volta no bolso da calça. E logo em seguida, avistei a minha amiga atravessando a rua em frente ao boteco. Numa regata branca e jeans largos, o boné virado para trás – puta merda. Estava gata.

A Thaís era a única tatuadora num estúdio cheio de macho em Pinheiros. Era uma dessas butch gordas que tem uns braços fortes e um sorriso que te desgraçam a cabeça. Para piorar, recentemente ela ainda tinha tatuado a porra da lateral do pescoço. Cacete. Entrou no bar com aquela cara de quem tinha caído do sofá dez minutos antes. Parou no balcão antes de me cumprimentar e pediu uma garrafa de Brahma gelada – que o cara entregou para ela junto com dois copos americanos. Então veio até onde eu estava sentada.

_E aí, sapatão!
_E aí... – a Thaís sorriu, colocando a cerveja na mesa e puxando uma cadeira.
_Te acordei, meu?
_Não, tranquilo... Precisava sair daquele sofá, foi bom que cê ligou.
_Porra, saudade, faz tempo que a gente num se vê. Acho que desde a festa, não?
_Nossa... – arregalou os olhos e começou a rir, passando a mão na cara – Que que foi aquela sua festa, mano. Não sei nem como cheguei em casa naquele dia...
_Eu sei bem como cê chegou em casa... – pisquei na sua direção, sorrindo.
_Cala a boca.
_Quê? – eu ri – Eu lembro.
_Fica quieta que cê tava caída do lado do sofá, com a porra da Aninha em cima de você, velho. Cê não viu merda nenhuma...
_Ah, então não era você saindo pela porta com a sua ex do lado?!
_Filha da puta...

Ela riu, balançando a cabeça, e se esticou para frente para colocar cerveja nos nossos copos.

_Vem. Vamos beber, vai!

Brindamos e tomei um gole, achando graça na cara de pau da minha amiga. Ela ria também e me contava os desdobramentos daquela noite. Assim que terminamos o primeiro copo, levantei para comprar as fichas no bar. O boteco era um clássico trash paulistano – com uma estufa de salgados de origem duvidosa, um banheiro imundo com porta sanfonada e uma estátua de São Jorge empoeirada ao lado dumas laranjas e uns conhaques na prateleira atrás do balcão. Me sentia em casa. Peguei quatro fichas e ocupamos uma das mesas de sinuca, apoiando os nossos copos na beirada.  

Jogar contra a Thaís era má ideia. Toda vez. Não gostava nem de pensar na quantidade de dinheiro que eu já tinha perdido para ela ao longo dos anos, apostando cerveja atrás de cerveja em mesas exatamente como aquela. Não que eu fosse ruim, isto é, eu até que me garantia contra os bêbados da Augusta – mas não uma sapatão de respeito daquelas. E ela fazia questão de me provocar a toda maldita jogada que eu errava. É. Para depois ir lá e encaçapar três seguidas como se nada fosse.

Inferno.

Numa dessas, a bola branca aterrizou a poucos centímetros de uma das minhas. Praticamente na reta da caçapa. Tomei um gole da minha cerveja e coloquei o copo para o lado, me inclinando sobre a mesa. Era para ser uma bola fácil. Mas a Thaís ficou parada ali, me observando mirar, com os braços cruzados naquela regata e – cacete. Ergui o olhar na sua direção por um segundo e ela sorriu para mim. Como se por um breve instante soubéssemos o que se passava na cabeça uma da outra. E quando voltei a minha atenção para a droga da bola, agora já levemente desconcertada, acertei o taco muito para a esquerda. Maldição. A branca pegou de raspão na outra bola, que bateu na quina da porra da caçapa e eu errei feio.

_PUTA MERDA! – a Thaís gritou e começou a rir – Que vergonha. Que vergonha pra nossa classe, mano...
_Cala a boca.
_Velho, na boa, cê tem sorte de ser gata assim, porque cê joga mal pra caralho...
_Ah, vai se foder!!
_COMO CÊ ERRA UMA BOLA DESSAS??
_PEGOU ERRADO NA BRANCA, CARALHO, IA ENTRAR!
_Ia... – ela zombou, rindo da minha cara – ...ia, sim. Tá bom.
_Cala a boca, mano! – eu ri também e a empurrei pro lado, a Thaís se divertia – Babaca.
_Sério. Como cê consegue se chamar de sapatão?
_Porque... – fiz graça – ...o que importa, eu faço direito.

Ela arqueou as sobrancelhas como se dissesse “é?” e balançou a cabeça, rindo. Era gostoso flertar com a Thaís. Em algum lugar, nós nos entendíamos – testando os limites quando nos dava na telha e falando merda, sem nenhuma pretensão de necessariamente fazer algo a respeito. Encostei contra a parede. E ela me olhou ali, tomando mais um gole da cerveja, antes de se virar para me humilhar jogar.

De repente, existia uma tensão entre nós. Como se um breve momento tivesse desencadeado segundas intenções em tudo o que dizíamos. Ou fazíamos. Nos esbarrando entre as jogadas, esvaziando os copos, enchendo-os de novo e sorrindo, encarando uma à outra, sem dizer muito de fato. Tinha certa arrogância na forma como a Thaís sabia que eu não conseguia tirar os olhos dela. Dobrando aquele braço forte, inteiro tatuado, para trás e deslizando o taco entre os dedos da outra mão – e olha, eu gostava.

Quando matamos a segunda garrafa de Brahma, saímos na calçada para fumar. A Thaís puxou o maço do bolso de trás da calça e pegou um cigarro, colocando-o atrás da orelha. Logo abaixo do boné, com um sorriso de canto de boca, como se fizesse charme para mim. Depois resgatou uma ponta no fundo do maço, acendendo-a com o meu isqueiro. Demos dois tragos cada e ela logo apagou, guardando o baseado antes que alguém reclamasse. Não eram nem quatro da tarde ainda.

_Mas e aí... – a Thaís subiu o olhar na minha direção, tirando o cigarro da orelha e o colocando na boca – ...qual o lance com a Aninha, cês voltaram?
_Não, meu...
_Não?
_Foi só aquele dia lá da festa... – eu ri e ela tragou, me passando o cigarro em seguida – Depois até trombei com ela no Glória, num outro dia aí, mas não rolou nada.
_Hum. Por que não? Cê tá pegando alguém?
_Ah... – hesitei, sem saber como diabos responder a pergunta – ...é complicado.
_Complicado como?
_Ah, mano... – suspirei e a Thaís achou graça – Uma mina aí, curto ela pra caralho. Mas ela... e-ela namora. E uma hora me quer, na outra não. Esses dias a gente saiu, dormimos juntas e depois ela não falou mais comigo, tá me ignorando agora. Sei lá, é foda...
_Nossa.
_É... – arqueei as sobrancelhas e ri, tragando demoradamente.
_Velho, não dá, por isso que não tenho paciência pra me envolver com ninguém agora.
_Né? – soltei a fumaça por um espaço pequeno entre os lábios, passando o cigarro de volta para ela – Queria que as coisas pudessem ser mais simples, meu.
_Pode crer.
_Às vezes, cê... – disse e olhei descaradamente para a sua boca, conforme ela colocava o filtro entre os lábios – ...cê não acha que seria melhor simplesmente, sei lá, transar com suas amigas? Sabe, só... foder e se divertir, ficar de boa?

A Thaís segurou um sorriso e me olhou de volta, enquanto tragava, imprestável, quase como se me desafiasse. 

_Ué, vamos então.

Boa vizinhança

Num impulso, tirei o celular do bolso mais uma vez. Pois é. Tem vezes em que a gente escolhe pisar na jaca – ir lá e meter o pé bem de propósito. E essa começava a se tornar uma delas. Num misto de amargura e orgulho. Eu não precisava sequer transar. Que se foda. Só queria sair de perto daquele inferno de apartamento e ocupar a cabeça com qualquer coisa que não fosse a presença do Fer.
 
Ou a ausência da Mia.  
 
Onde cê se meteu, porra?, observei a tela por um instante, sentindo uma rejeição incômoda, sem entender onde tinha errado. Tudo o que me passava pela cabeça, depois de me despedir dela na porta do Mackenzie, era quando a veria de novo. Ou quando nos falaríamos mais uma vez. E quanto mais horas se passavam sem qualquer sinal dela, que aparentemente não podia digitar nem cinco ou seis palavras na porra do telefone, mais eu me sentia insignificante. Sem saber, de repente, o que fazer com o quão perdidamente apaixonada eu me sentia depois de tudo o que aconteceu entre nós. Caralho. Meu coração doeu no peito, incorrespondido. E eu encarava obsessivamente a droga daquela caixa de mensagem. Ainda vazia. Como você consegue, Mia? Passar a noite comigo e ir encontrar ele assim?, senti uma angústia apertar minha garganta. Voltar para os braços dele enquanto a sua pele ainda tem as marcas das minhas mãos? Por todas as horas que passamos contra os tacos de madeira no chão do seu quarto, com o gosto da minha boca na sua? Como se não tivesse sido nada?
 
E sim, parte de mim queria se vingar. Eu só não sabia ao certo qual – se era a autodestrutiva ou a que desesperadamente tentava me preservar. Que se dane. Fechei a caixa de mensagens, numa decisão amarga, e comecei a rodar a minha lista de contatos.
 
O problema é que eu estava sem um puto no bolso e isso reduzia consideravelmente as minhas possibilidades. Passei nome por nome, sentada na calçada em frente ao prédio. Que situação. Por mais que eu estivesse magoada, outro lado de mim não queria cometer os mesmos erros do passado. Não podia mais atropelar os sentimentos dos outros como fiz com a Roberta. Ou a Dani. E achar alguém que não fosse uma completa má escolha naquela lista não era assim tão fácil. Sem contar a famigerada e gigantesca chance de desligarem bem na minha cara.
 
Não. Não. Não. Não. Definitivamente não. Não. Não. Não. Talvez.
 
Foi quando os meus olhos pararam sobre a Thaís, uma amiga que morava a poucos quarteirões dali e que eu não via desde a última festa do apartamento. Era a companhia ideal para aquele sábado. Ela morava perto dum boteco de sinuca na Peixoto Gomide. E não – nós nunca tínhamos ficado. Apesar de às vezes, sim, darmos em cima uma da outra. Era tudo sempre meio que na brincadeira. A Thaís gostava de flertar com todo mundo e eu nunca sabia se ela estava levando a sério. Então fazia o mesmo. E os nossos rolês geralmente acabavam com nós duas tropeçando de bêbadas numa sarjeta ou pegando outras pessoas – era descomplicado.
 
Quatro toques do telefone e ela atendeu, como se tivesse acabado de acordar.
 
_Fala, sapatão... – achei graça, rindo da sua voz de sono – ...que cê tá fazendo?
_Velho, nem sei... Tava capotada aqui no sofá.
_Não quer ir jogar umas aí embaixo?
_Opa – ela riu – Agora?
_Já tô na calçada, mano. A hora que cê quiser.
_Vamos.
 
Ótimo. Levantei na mesma hora, já me sentindo automaticamente melhor. E antes de devolver o celular ao bolso, sem pensar direito, digitei um “qria te ver, meu...” sincero para a Mia.

julho 19, 2010

Déjà-vu

Subi uma calça pelas minhas pernas, enfiei minhas tralhas nos bolsos, o All-Star sujo nos pés e fui para a rua sem um puto. É, o Fer tem razão. Parecia que eu não morava mais naquele apartamento. Sempre fui de entrar e sair assim, sem hora ou dia para voltar, mas nunca com a frequência com que andava acontecendo nos últimos tempos. Por que será, né?
 
Naquela tarde de sábado, bati a porta de raiva. De mim mesma ou do Fer – eu não sabia. Que diferença faz? De um jeito ou de outro, era sempre eu que acabava plantada na sarjeta, fumando cigarro atrás de cigarro, sem saber onde meter a minha confusão e a minha cara de pau. Esse é o problema em ter um segredo desse tamanho, pensei, eu sempre pago a merda da conta sozinha.
 
Olhei rapidamente para o celular, como num reflexo involuntário, e revirei os olhos com desgosto. Ela não vai te escrever, sua idiota. Coloquei aquela droga de novo no bolso, frustrada. E tornei a tragar o meu cigarro. Argh. Eu odiava essa dependência doentia de alguém. Era a única coisa que eu simplesmente não conseguia suportar nos meus apaixonamentos – esse atrelamento estúpido da minha porra de existência a uma mulher.
 
No caso, à Mia.
 
...à Mia e às memórias daquela quinta à noite. Rodando, de novo e de novo, na minha cabeça. O bar, as ruas do Itaim, o carro na volta, o elevador, o quarto, nossas roupas no chão, ela embaixo de mim, as suas pernas, o seu gosto, as suas mãos, eu embaixo dela, os lençóis bagunçados de manhã, a tranca da porta, as risadas, as conversas preguiçosas, o sorriso dela, o ônibus lotado, o beijo escondido e aquele sentimento bobo, tudo. Cada droga de segundo do lado dela. E agora ela não me escrevia, não falava nada há horas. Mais de 24 horas. Desde que voltou para a sua realidade heterossexual de merda. Para aquele namoro, para aquela bosta daquele namoro. Inferno, Mia, por que você não pega a porra do celular e me responde, caralho?
 
Sentia cada lembrança amargurar dentro de mim, conforme soltava a fumaça pela boca. Argh. Aquilo estava acabando comigo. O fato era que eu precisava me distrair até aquela porcaria de fim de semana acabar – é, isso era fato. O problema, ah, o problema era que eu notavelmente não sabia me distrair de outra forma que não envolvesse álcool ou sacanagem. Especialmente se estava contrariada. E naquele momento, eu ainda me recuperava do porre da quinta à noite. Então, vejam bem, que opção me restava?
 
É. Hora de acordar, São Paulo.

julho 16, 2010

Birra

_Nossa, “mãe”, fiz alguma coisa errada?!?! – ele começou a rir – Tô até com medo de responder... Que cara é essa aí, meu?
_Nada... – eu voltei ao meu prato, irritada – Foi só uma pergunta, Fernando.
_“Fernando”?
_“Fer”, tá, que diferença faz?
_Meu, cê tá estranha, na boa... – ele continuou rindo.
_Que seja... – respondi, soando rancorosa, e enfiei o macarrão na boca, tentando encerrar a conversa logo e sair dali antes que a minha estupidez fizesse um mal maior a mim mesma e à minha amizade.
_Ihhh... que foi? – ele zombou a minha irritação – Comeu e não gostou?
 
Pelo contrário.
 
_Eu tô... tô... – eu me preparei para mentir, descaradamente, na tentativa de deixar as coisas melhores – ...com uns problemas aí. Deixa quieto, não tô bem hoje.
_Quer conversar, meu?
_Não, de boa.
_Beleza... – ele pegou na minha mão, como se me apoiasse silenciosamente, e aquilo simplesmente acabou comigo.
 
Escondi o olhar e a minha própria vergonha no maldito prato de macarrão, odiando toda aquela situação. Odiando o Fer por sabe-se-lá o que tinha feito com a Mia na noite anterior e odiando a mim mesma, acima de tudo. Afinal, ele podia ser cachorro, podia não ser o melhor namorado do mundo, mas valia mil vezes mais do que eu como amigo. Merda. Eu tossi, rapidamente – estava comendo apressada demais e aquilo começava a não me fazer bem. E né, a culpa também não me ajudava a engolir nada.
 
_Então, meu... – ele retomou a conversa, provavelmente querendo acabar com a bad no ar – ...ontem fomos na festa do Vini. A Mia tava vendo umas poscas lá, que a mina do Vini comprou e tava mostrando. Ela curtiu. Pensei em dar umas para ela de aniversário... Que cê acha? Sabe qual é?
_Hum... – a primeira menção à Mia embrulhou meu estômago na mesma hora.
_Foda é que é caro – riu – Preciso ver quanto tenho de grana ainda. Manja qual caneta que é, né?
 
Acenei que “sim” com a cabeça, sem dizer nada, sentindo uma contradição violenta de emoções dentro de mim e me segurando para não levantar e ir almoçar em outro lugar.
 
_Sei lá, é só uma ideia... – murmurou e então me olhou – Você vai, né?
_Vou onde?
_No aniversário.
_Não sei – abaixei a cabeça, me resumindo à minha insignificância – Não tô sabendo de nada.
_Hum... – ele desviou o olhar para o lado, como se pensasse em outra coisa, mas depois voltou ao papo de elevador – Foi legal ontem... tava maior galera lá.
_É? – murmurei, sem muito interesse.
_Não te chamaram, meu?
_Chamaram. Acho que sim... Eu é que esqueci, sei lá. O Vini me mandou um lance no Facebook semana passada, mas eu nem vi... Não me toquei que era ontem.
_A Mia me perguntou se cê não ia... – meu interior se contorceu de novo – ...os caras também, a Bruna...
_Perguntou? – retruquei sem pensar, interessada no interesse da Mia.
_Perguntou o quê?
_Se eu ia?!
_Quem?
_Não... – caí em mim – ...nada, esquece.
_Mano, espera... você pegou a Bruna?? – o Fer riu.
_O quê?! Não!!
_Não entendi, então...
_Não entendeu o que?!
_Do que você tava falando – ele sorriu, achando graça.
_Do que você tá falando?? – eu forcei um tom de indignada – E meu, por que cê sempre acha que eu peguei as minas que a gente conhece, mano?!
_Não, só presumi... – ele riu, mais uma vez – Achei que cê tava aí curiosa dela ter perguntado sobre você.
_Pois presumiu errado.
_Tá, é só que... – o Fer continuou de gracinha e aquilo me irritou de verdade – Cê sabe, né...
_Não, não sei.
_Vai, concorda comigo que era no mínimo “possível”.
_Eu?! – olhei para ele, puta da vida – E a Bruna? Eu e a Bruna?! Tá.
_O que? É possível!
_Vai se foder, meu.
_O que foi?! – ele riu.
_Ela sequer pega mina, porra... O que tem a ver??
_Ah! Como se isso te impedisse! – ele tornou a rir.
_Olha... Eu não peguei ninguém, Fernando.
 
Me levantei bruscamente e tirei o meu prato da mesa, colocando-o de qualquer jeito na pia.
 
_Êê... Tá difícil hoje, hein? – ele se encheu do meu humor instável – Não dá nem pra brincar, meu!
_Tá, tá mesmo – resmunguei e saí.

julho 13, 2010

Saturday, wait

Abri os olhos lentamente, ainda me sentindo cansada apesar das horas dormidas. Bem mal dormidas. Rolei centímetro por centímetro do meu corpo na cama, aos poucos, me enrolando confusamente no lençol, na tentativa de chegar até a beirada e recuperar meu celular em algum lugar. Mia, foi meu primeiro pensamento. E me estiquei ali, na esperança de encontrar uma mensagem dela. Me sentia exausta. Meu corpo pesava mais do que o normal na cama – talvez por todo aquele trânsito mental – e eu não conseguia, de forma alguma, achar a porra do celular no meio daquela bagunça.
 
Foda-se, desisto. Larguei as roupas e tralhas que tirei do chão com as mãos. Não tá aqui essa merda. Aí voltei a deitar, com as costas contra o colchão, empurrando os lençóis de qualquer jeito com as pernas para me desfazer daquele nó no qual eu havia me enfiado. Só aquilo já me cansou – eu estava acabada. Me esparramei mais ainda na cama e cruzei as mãos atrás da cabeça, por debaixo do travesseiro. Olhei para o lado e vi o meu celular caído, preso entre a parede e o colchão.
 
Aí está você, desgraçado.
 
Resgatei-o do vão da cama e olhei cheia de esperanças para a tela, mas não havia mensagem alguma. Abri a caixa de entrada: nada. Havia, porém, uma na de saída. Merda. Cliquei, sem realmente querer ver o que estava ali, consciente de que se tratava de um lapso irrefletido da minha angústia da noite anterior, quando eu me encontrava entre o sono e o “acordada”. Ou seja, burrada na certa.
 
E era, de fato.
 
Mal li a pergunta contida no interior do SMS e já larguei o celular fora da cama, com raiva de mim mesma. É óbvio que ela estava com ele, sua imbecil. Com quem mais ela poderia estar?, eu apertei as mãos contra o rosto, indignada com a obviedade da minha pergunta. Aquilo tinha sido extremamente desnecessário. A Mia não só não respondeu como, pior, eu declarei com todas as letras o meu descontrole ciumento. Argh. Afundei no travesseiro, me odiando.
 
Levei algum tempo para me recompor, como eu sou idiota. Mas aí levantei. Fucei no armário atrás de uma blusa larga e confortável. Apanhei meu maço no bolso da calça do dia anterior, largada no chão, mas desencanei de vesti-la. Já está feito, que se dane, tentei esquecer a mensagem. E saí para a cozinha, rodando o isqueiro em mãos. Peguei uma panela e coloquei água para ferver. Miojo – a solução rápida para os meus problemas. Não comia nada desde o almoço no trabalho. Estava faminta.
 
_Ah, você tá aí... – ouvi a voz do Fer, a alguns metros atrás de mim, enquanto eu me espichava para pegar o pacote na prateleira.
 
Bosta, apertei os olhos, sem querer acreditar que aquilo estava acontecendo. Aí respondi com um resmungo qualquer, sem me virar, e tentei focar na minha pseudo-refeição. Pretendia ignorar a presença dele o máximo que pudesse e evitar qualquer contato visual. No entanto, ouvi o Fer arrastando uma das cadeiras, provavelmente para se sentar ali, e imediatamente desejei com todas as minhas forças que ele não o fizesse... Pois fez.
 
_Pô, parece que faz mó cara que não te vejo... – o Fer riu, sendo simpático – Cê ainda mora nesse apartamento?
_É... sei lá, a gente se desencontrou, eu acho – respondi, encarando com insistência a panela, o fogão ou qualquer coisa que não fosse o meu colega de anos e anos.
_E o show lá que cê ia? Foi bom?
_Aham...
_Você foi com quem mesmo? O Gabriel?
_É...
_No Itaim?
_Hmm-hum...
_E ontem, saiu? – ele continuou com o papo de elevador, como se não tivesse nada melhor para fazer a não ser sentar ali e me assistir cozinhando.
_Encontrei a Marina, depois do trampo.
_Ahhh... a Mariiina... Pô, anda vendo bastante ela, hein? Dormindo lá, saindo juntas... Praticamente um namoro já – ele riu, animado com a primeira informação não-onomatopéica que eu lhe dava – Tá rolando um remember aí?
_É. Sei lá... – eu murmurei, soando indiferente, enquanto na realidade eu não queria era prolongar a conversa.
 
E aí, infelizmente, percebi o problema da minha escolha de refeição. Aquela porra ficava pronta em três malditos minutos – o que me levava diretamente à mesa, onde o meu amigo se encontrava. Droga. Escorri a água e levei o máximo de tempo que pude para espalhar o caldo do pacotinho pelos fios tortos de macarrão. Peguei um garfo na gaveta à minha frente, apanhei o prato e sentei grosseiramente na mesa, ainda sem olhá-lo.
 
_Cê tá bem, meu? – o Fer estranhou.
 
Não respondi nada. Apenas acenei que “sim” com a cabeça, enquanto enrolava uma porção no meu garfo, focada no prato de miojo. Senti que ele desistiu de conversar, por um momento, e fiquei aliviada. No entanto, ele continuava lá. Ele e a sua presença indesejada. E a porra do silêncio. De repente, senti todos os questionamentos da noite anterior voltando, involuntariamente subindo pela minha espinha, e suspirei na tentativa de me livrar daquele ciúme todo. O que só o piorou, claro. Quanto mais se pensa a respeito, mais aquela merda impregna na sua mente.
 
Talvez fosse a proximidade – física – na qual eu me encontrava do Fer, do seu corpo, sem saber por onde ele esteve ou com quem. Ou talvez fosse só o silêncio crescente, não sei. Mas parei. Parei de repente de comer, larguei o talher de qualquer jeito no prato e apoiei os braços prontamente na mesa.
 
_E você? – olhei diretamente pra ele, o encarando – Saiu ontem?!

julho 12, 2010

It's just the price I pay

...

It started out with a kiss
How did it end up like this?
It was only a kiss...
It was only a kiss...

Now I'm falling asleep
And she's calling a cab
While he's having a smoke
And she's taking a drag

Now they're going to bed
And my stomach is sick
And it's all in my head
But she's touching his chest now
He takes off her dress now

Let me go
'Cause I just can't look
It's killing me
And taking control

Jealousy.

(The Killers)

julho 09, 2010

Subjetividade

Atravessei o corredor. Em silêncio absoluto – mas a cabeça a mil.
 
Não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, por favor, não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, Fer, não sai do quarto, não vem falar comigo, por favor, não, não sai do quarto, por favor, não esteja acordado, não esteja acordado, não esteja acordado, por favor, não esteja acordado, não, não, não, não. Olhei rapidamente no relógio do banheiro e aquela desgraça marcava 21:42. Merda. Ele não vai tá dormindo a essa hora, argh, mas que merda. Acelerei o passo pelo corredor e fechei a porta do quarto atrás de mim, o mais rápido que pude.
 
Suspirei. E fiquei um tempo parada ali – com as mãos para trás, ainda segurando na maçaneta, e as costas apoiadas na madeira. Estava a salvo. A salvo da culpa e do desconforto descomunal de morar no mesmo apartamento que o cara que namorava a porra da Mia. O meu melhor amigo. É. Era covarde, mas eu não conseguia encará-lo ainda. Olhei para frente e notei que todas as minhas coisas continuavam ali, no escuro. Exatamente do jeito que eu as havia deixado, espalhadas pelo quarto, imóveis. Nada fora do lugar, nada diferente. Nem um ruído sequer. Alguma coisa me incomodou.
 
Espera. Fácil demais.
 
Senti a minha respiração acelerar aos poucos no peito, como se algo estivesse errado – nada naquele apartamento se movia. Nada além de mim, tropeçando no meu próprio nervosismo. Nada. Ninguém. Claro, é sexta. E no mesmo instante em que a ideia cruzou a minha mente, o meu coração disparou. Sexta-feira à noite. Sexta-feira, mano, puta que pariu. Me virei na mesma hora, abrindo novamente a porta. E enfiei a cabeça para fora – não tinha ninguém no corredor, nem um barulho sequer. Ele não estava lá.
 
Fechei a porta de novo. Droga, droga. E fiquei quieta por mais algum tempo, sem acender a luz, em pé no meu quarto vazio. Sentindo o meu coração sair pela boca. Mas não conseguia mais permanecer ali parada. Merda. Tornei a virar a maçaneta e saí para o corredor, realmente incomodada. Andei até o final, onde estava a porta do quarto do Fer, fechada. Abri e... nada. Então voltei o corredor inteiro até a cozinha. Acendi a luz e não vi ninguém. Na sala, a mesma coisa. No banheiro, na lavanderia, cômodo por cômodo... Inferno. Não havia ninguém lá.
 
Sentei na poltrona da sala, inquieta, e acendi uma ponta de baseado que estava largada no cinzeiro. Ele não tá aqui, me pus a pensar, torturando a mim mesma de um jeito realmente estúpido enquanto tragava, lógico que ele não tá aqui. O que diabos ele estaria fazendo em casa numa sexta à noite? Como eu sou idiota, porra. Uma idiota. Ele... e-ele tá com ela. Eu sei que tá.
 
Caralho.
 
Argh. Respirei fundo, encarando a mesa – mas logo sucumbi mais uma vez ao nervosismo das minhas mãos. As meti contra o rosto, deslizando-as na cara, agoniada. E imediatamente a minha imaginação foi tomada por uma avalanche de pressuposições insuportáveis, pensando obsessivamente em tudo o que ele poderia estar fazendo naquele exato momento com ela. Com a Mia. Com a garota com quem eu tinha passado a melhor noite da minha vida. Com a minha garota. A garota que eu amava, mas que inferno.
 
Ergui novamente a cabeça e lá estavam eles – todos os nossos móveis e vinis e tralhas e todas as coisas que eram nossas. O nosso apartamento. Vazio. E aquela dúvida, arrasadora, me provocando a cada maldito canto inabitado. Ele é meu amigo, porra. É meu amigo, eu reforçava para mim mesma, tentando combater qualquer ressentimento que pudesse surgir ao imaginar que o Fernando ia passar a noite com, c-com as suas mãos na, na minha, na droga da, da Mia.
 
Puta que pariu.
 
Aí, sim, comecei a surtar. De tal forma que só o ato de permanecer sentada requeria um esforço tremendo. A ponta já queimava o meu dedo de tão pequena, mas eu a fumava compulsivamente. Preciso fazer alguma coisa. Ele, ele não pode simplesmente ficar com a... Não. Hoje não. Não com ela, porra. Não. Não depois que eu... Caralho. Caralho, não! Eu tenho que fazer alguma coisa. Qualquer coisa, puta merda. Por mais que eu me esforçasse, todavia, nenhuma ideia saía de mim. Sequer conseguia terminar um pensamento que fosse, tomada por um ciúme que eu não conhecia em mim mesma, consumida por um desejo irracional de impedir que os dois passassem a noite juntos.
 
Se é que estão juntos, me contive de repente, num lapso de sanidade. O Fer pode estar em qualquer lugar, eu é que preciso me controlar, porra. Tá. Talvez eu devesse ligar só pra... Não. Mano, não. Para. Para! É possível que ele nem esteja com ela e eu vou pagar de louca. Não posso. Mas... Onde mais ele estaria se não fosse com ela? Só pode ser isso. Só pode. Eles tão juntos, desgraça. Eu sei que tão. Merda! Mas que merda. Esse, esse desgraçado deve tá comendo a Mia, ele..., senti o meu ar faltar. Apoiei mais uma vez o rosto nas mãos, sem conseguir respirar direito, agoniada.
 
Não.
 
Não!
 
Não, porra. A, a Mia não faria isso... Não depois que nós duas... Não, ela, e-ela não conseguiria. Ou... Conseguiria? Meu coração acelerava, incapaz de tirar a imagem da minha cabeça. Tirei o celular do bolso e olhei rapidamente para o visor – ainda nenhuma mensagem. O fato da Mia não ter me respondido o dia todo só piorava a situação. Suspirei, torturada. Ela, ela é a porra da namorada dele, meu, é claro que conseguiria. O que mais ela vai fazer numa sexta à noite?? Ele é... o... o namorado dela, caralho. É isso que eles fazem. É isso que eles fazem o tempo todo, inferno. Enchem a cara e trepam e dormem juntos e acordam juntos e trepam de novo. O Fer já deve tá com a boca metida na... na... na porra da..., eu me recusava a sequer pensar nas possibilidades fisiológicas daquela merda. Não.
 
Chega.
 
Eu precisava me controlar. Eu vou tomar um banho e ir para a cama, pensei. Preciso dormir, já chega. Não vou pensar mais nisso. Vou esquecer esse rolo e dormir. É. É isso. Esse é o plano. Me levantei, então, apagando o último milímetro de ponta restante na mesa – decidida a só lidar com aquilo no dia seguinte. Mas e se ele passar o fim de semana com ela?, a  minha mente disparou, antes mesmo que eu chegasse no corredor, e se eles...?
 
Argh.

julho 08, 2010

Saída de incêndio

32... 33... 34... 35... 36... 37... Cheguei ao 38º degrau da escada do meu prédio, sem saber direito porque eu havia decidido subir por ali ao invés do elevador. Não passava um tempo sozinha com um travesseiro há dois longos dias e o cansaço me fazia arrastar os pés entre os degraus. Isso é patético. Exausta e meio atordoada, me sentei no degrau de número 39 e coloquei os pés no 38, apoiando os antebraços sobre as minhas pernas. Olhei para a parede em frente a mim e a situação toda me incomodou.
 
O que diabos eu tô fazendo, afundei o rosto nas mãos, argh. Tinha acabado de subir um monte de degrau à toa. Não tinha nada ali – só eu e as minhas ideias brilhantes. E inapropriadas. Inferno, me irritei comigo mesma, enquanto olhava para as paredes sujas e descascadas que cercavam as escadas. Ainda faltavam muito mais do que os 30-e-poucos degraus iniciais. Quis me levantar na mesma hora, num impulso de sair daquele buraco em que me meti, mas alguma coisa me segurou ali.
 
Fernando.
 
E a muitos-e-não-sei-quantos degraus da porta do nosso apartamento, de repente, eu perdi a coragem. Caralho. Enfiei a cabeça mais uma vez entre as mãos, sozinha naquela área abandonada do prédio, e quis sumir. É. Eu estava enrolando – e no fundo, eu sabia. A demora para sair do bar, a conversa fiada com a garota do caixa, minhas últimas palavras em excesso no carro da Marina e a contagem lenta dos meus passos enquanto subia escada acima. Tudo até então – evitando a porra daquele apartamento e a realidade para a qual eu não queria voltar tão cedo.
 
Mordia o dedo de leve, sem perceber a ansiedade que gritava em mim, fazendo um esforço mental enorme para esquecer tudo aquilo. Respirei fundo. E encarei mais uma vez a merda da parede à minha frente – cinza, velha e feia. Que se foda, pensei para mim mesma, batendo as mãos nos joelhos, e levantei. Vamos lá acabar de vez com isso.
 
Terminei de subir os degraus e entrei no corredor do meu andar. Podia ouvir os meus passos ecoarem no escuro, junto com o barulho da porta corta-fogo que se fechava atrás de mim. Tirei a chave do bolso com certo nervosismo. E repeti para mim mesma em pensamento – não dá pala, porra.
 
Antes que pudesse perceber, já estava atravessando a nossa sala de estar com pressa.

julho 07, 2010

Duas horas depois...

Tá. E que tal agora?

julho 05, 2010

Happy Hour

_Posso dizer?
 
A Marina mordeu a boca, contendo certa felicidade, e eu a encarei de volta, sem entender, apoiada no balcão.
 
_Dizer o quê?
_Que... “Eu te disse”?! – ela sorriu, satisfeita.
_Disse o quê? – eu me repeti, sem saber a que ela se referia.
_Como o quê? O que eu te disse quando você começou com essa história toda?!
_Não sei... O que cê disse?
_Meu, alguma coisa do que eu falo entra nessa sua cabeça? – ela riu – Quando a gente foi almoçar aquele dia, boba, que você me contou da Mia... o que eu te disse? Não falei que ela estava saindo do armário? Pois olha aí.
_É, espertinha... Mas você também me disse, uns dias atrás, que ela não me amava. Não é? Que as mulheeeres e as héééteros sentem as coisas de forma diferente e o caralho a quatro e que eu tava me enganando e blá blá blá... – revirei os olhos, evidentemente irritando a Marina – ...não foi o que cê disse? Hein, ô Einstein?!
 
Eu ri, arqueando a sobrancelha de volta para ela. E a Marina deu de ombros, como se aquilo não tivesse importância, como se não diminuísse a porcentagem de acertos dos seus palpites sobre minha vida amorosa.
 
_Disse... – resmungou – Mas eu tava certa para começo de conversa. E outra, você não sabe se a Mia te ama!
_Se não ama, vai amar...
_Jesus – riu – Cê é tão convencida que chega a ser ingenuidade.
_Mas é que foi tão bom, Má. Tão bom... – esfreguei as mãos no rosto, suspirando – ...cê não tá entendendo! Não é possível que a Mia não tenha sentido o mesmo que eu senti, puta merda, só pelo jeito que ela me... – interrompi a frase, lembrando de cada vez que a Mia se meteu no meio das minhas pernas – ...sabe, as coisas que a gente fez. Porra, não é possível! 
_É. Assim, no mínimo, é sugestivo... – a Marina sorriu – ...e olha, até tive lá minhas dúvidas, achei que talvez pudesse ser só curiosidade, mas pelo que cê contou parece realmente ter sido bem intenso... 
_Nossa, muito. Acho que nunca tive uma primeira vez tão intensa com alguém, Má, não assim... – respondi – Parecia que encaixava, sabe? O beijo encaixava, as nossas pernas, puta que pariu, as baixarias, a falta de vergonha na cara, tudo. Foi foda.
_Ai... – ela segurou a minha mão – Mas eu me preocupo, linda. Não quero que você se enrole nessa confusão.
_Olha, depois dessa noite, a Mia por me enrolar onde ela quiser.
_Sei... – a Marina riu.
_Sério. Eu casava com essa mina amanhã. Amanhã! – fiz graça, apaixonada – E meu, cê pode escrever aí, a gente ainda vai ficar juntas. Eu sei que vamos.
_Ah, é? E seu amigo Fernando já foi informado sobre isso?
 
Engoli seco. Inferno. Esperei uns segundos antes de retomar a conversa, levemente contrariada pela minha ex-namorada, que agora já chegava ao fim do seu gim tônica.
 
_Porra... – resmunguei – Não precisava dessa, né, Má.
_O quê? Você esqueceu com quem cê mora? Hum?! E com quem ele dorme quase todo dia naquele apartamento?
_Não, não esqueci – a fuzilei com os olhos, emburrada – Mas hoje, só hoje, eu queria aproveitar e ficar feliz por tudo que aconteceu sem pensar nessa merda toda – continuei – Só por um dia. Pode ser? Cê deixa?
_Deixo, deixo... – ela riu, soando genuinamente arrependida.
_Caralho, viu. Já não basta eu ter que lidar com essa droga todo santo dia...
_Eu sei. Desculpa, linda.
 
Mostrei a língua rapidamente para ela, fazendo graça, e me virei para pedir uma água ao cara do bar. Ainda estava de ressaca e todo aquele tempo contando cada detalhe da minha noite com a Mia tinha me deixado com uma sede desgraçada. E tá – no fundo eu sabia que, em algum momento, ia ter que sair do meu estado bobo-alegre depois do encontro e encarar a realidade da qual a minha ex-namorada tão inapropriadamente me relembrara.
 
Só que, não, não agora.

julho 04, 2010

Procrastinando

Rodei o cigarro entre os dedos, levantando-o bem na frente do meu rosto, e encarei as cinzas acumuladas por cima da brasa. Último cigarro do expediente. Aproximei-o da boca, sentada no degrau da saída do estúdio, e assoprei na direção da ponta, fazendo com que as cinzas voassem mais adiante na calçada. Sim – eu estava enrolando, descaradamente, até poder pegar minhas tralhas e cair fora.
 
Já eram quase seis da tarde, quando oficialmente seria declarado o fim de semana. Então eu fumava lentamente. Sem pressa. Meus colegas de trabalho iam e vinham com seus próprios maços e eu continuava sempre lá, ignorando as minhas obrigações. Garanti que a brasa só atingisse o filtro quando o meu celular já indicava os últimos cinco minutos de labuta daquela sexta. Perfeito. Levantei, jogando a bituca para o lado, próximo de onde a parede do estúdio encontrava com a calçada, e voltei para pegar minhas coisas na sala de edição.
 
As piadinhas sobre a minha noite não-dormida já haviam cessado há algum tempo, graças ao desgaste e desânimo que a rotina de trabalho proporcionava aos meus colegas. Mas não a mim: eu estava imune a qualquer bad aquela sexta. Peguei o celular, checando rapidamente se a Mia tinha respondido alguma das minhas mensagens – o que não havia acontecido ainda –, e disquei para a Marina enquanto me dirigia mais uma vez à porta.
 
_Tô aqui já – ela me respondeu, com o barulho de outras pessoas de fundo – Onde cê tá?
_Saindo do trampo, já tô indo.
 
A distância até o bar onde combinamos de nos encontrar era pequena o suficiente para eu ir andando, caso a minha pessoa contasse com um pouco de boa vontade e disposição. No entanto, a ansiedade de dividir com alguém tudo o que aconteceu comigo nas últimas 24 horas – fosse para a Marina ou qualquer outra pessoa capaz de guardar segredo – me impulsionou a subir no primeiro táxi que passou livre pela Heitor Penteado. E em cinco minutos, eu estava no bar.
 
_Vai... – a Marina riu, ao me ver chegando no balcão – ...conta.
_Quê?!
_Olha a sua cara, meu...
_O que foi?? – perguntei, estranhando o tom de acusação antes mesmo de ganhar um ‘oi’ – Que eu fiz?
_O quê, né? – ela devolveu a pergunta, achando graça.
_Ih. Não entendi...
 
Balancei a cabeça e dei de ombros, sentando no banco ao lado dela. A Marina já tinha um copo de gim tônica na sua frente e a blusa desabotoada até onde batia o seu cabelo. Estava com o seu visual de “jornalista de esquerda”, como eu costumava chamar na época em que namorávamos – uma camisa de linho com mangas dobradas até metade do braço, uma trança de lado e uma calça de cintura alta. É, e aquela cara de quem sabia mais do que você estava contando.
 
_Ah, tá. Você me liga espontaneamente – enfatizou – numa sexta-feira, me chamando pra sair, diz que não pode esperar, faz todo esse suspense; daí vem aqui e me aparece com esse sorriso de quem aprontou... Sinceramente, né? Olha sua cara, sério.
 
Até tu, Marina?
 
_Porra, não sei qual é a de todo mundo comigo hoje.
_Já pensou em talvez, assim, tirar esse sorriso de idiota do rosto? – ela riu.
_Nossa... Credo! Parece que eu sou a pessoa mais rabugenta do mundo, mano...
_E não é? – ela me zombou.
_Vai se foder.
_Tá vendo, ô pequeno poço de alegria?
_Eu sou uma pessoa feliz pra caralho, meu. De onde cês tiram o contrário?
_A começar que cê disse “vocês”, não é, no plural... O que indica que eu não sou a única que acha isso. Talvez você devesse rever seu conceito de “feliz”.
_Cara, claro que não. Eu praticamente sou a definição de felicidade.
_Não, não. Você é que nem aquele cachorrinho do desenho animado... Como era o nome dele? O que olha com cara de merda e diz “eu estou feliz”? – ela riu, de novo – Sabe?
_Eu não pareço um cachorro, Marina... – resmunguei.
_Tá, tá... – ela balançou a cabeça, rindo, e me olhou – Mas, afinal, tem alguma coisa para me contar ou não?