Desta vez, não

_VOCÊ SE ACHA MUITO ESPERTA, NÉ?! – ela brigou, levantando o tom de voz – HEIN, CÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA??!!
_Dani, deixa quieto... – pedi, discretamente.
_NÃO! Desculpa, mas NÃO DÁ! – foi se irritando, falando cada vez mais alto – Cê acha que pode fazer isso como se eu fosse qualquer uma, mas eu não vou aturar essa palhaçada!! EU NÃO SOU TROUXA! O QUE DIABOS CÊ ACHA QUE TÁ FAZENDO?!?
_Dani, por favor... – eu retomei o tom baixo de voz, querendo evitar um barraco a qualquer custo, apoiando-me na pia e me inclinando de leve na sua direção – Abaixa a voz, meu.
_NA MINHA FRENTE, PORRA! – ela se indignou, quase gritando – CÊ TEM MERDA NA CABEÇA?!
_Mano... Eu realmente não quero fazer isso agora! – implorei, já me irritando.
_FALA!! ACHA?? VOCÊ ACHA QUE EU SOU IDIOTA?!? ACHA, CARALHO????
_Não, eu... – eu suspirei, tentando me controlar para que a nossa discussão não chegasse até a sala, abaixando a voz novamente – ...olha, Dani, eu não vou fazer isso aqui.
_ISSO É PROBLEMA SEU! QUE FOI? VOCÊ NÃO QUER QUE NINGUÉM ESCUTE?! NÃO QUER QUE ELA ESCUTE? OU NÃO QUER QUE ELE ESCUTE?! – gritou de propósito e eu senti vontade de sumir – POR QUÊ? O QUE CÊ TEM A ESCONDER?
_Cê precisa fazer isso? Hein? – comecei a perder o controle – PRECISA?! AGORA???
_SABE QUAL O SEU PROBLEMA? – continuou – É QUE VOCÊ É UMA EGOÍSTA DE MERDA! UMA PUTA EGOÍSTA DE MERDA!! V-VOCÊ... VOCÊ NÃO TEM RESPEITO POR NINGUÉM, MANO! NEM POR MIM E NEM PELO RELACIONAMENTO DO...
_CHEGA! CHEGA!  – levantei a voz imediatamente, antes que ela falasse o nome do Fer e me fodesse de vez – VOCÊ NÃO VAI FAZER ISSO, DANI. NÃO VAI. CHEGA!
_Ah! Resolveu entrar na briga, é?!? – ela riu, furiosa – O QUE É?! NÃO POSSO FALAR DO SEU AMIGO? OU É DELA?? É DA SUA QUERIDINHA?!?! PORRA, EU TAVA SENTADA DO SEU LADO! VOCÊS TAVAM M...
_VEM COMIGO!
 
Segurei a Dani pela mão, a interrompendo bruscamente. Furiosa. Eu não acredito nisso. Não acredito. Passamos pelo corredor e evitei sequer olhar para a sala – para não envolver o Fer e a Mia naquilo. Entrei com a Dani no quarto, puta da vida, e bati a porta com a mão que me restava livre. Não havia nada que me irritasse mais do que discussãozinha pública de relacionamento. E sim, eu sabia que eu era a errada na história. Mas ouvir a Dani me provocar daquele jeito, de propósito, ameaçando estragar toda a minha amizade com o Fer – caralho – me subiu à cabeça. Isso não. Larguei a sua mão e me virei para trás, ligando o rádio no chão no último volume. Voltei para perto dela, realmente perto, e ela cruzou os braços para me escutar, puta da vida.
 
_Escuta aqui... – a ameacei, competindo com o Stiff Little Fingers – Eu já aturei muita, MUITA merda sua. Todos esses anos, uma depois da outra. Eu já fui humilhada, trocada, já fiquei plantada cinco horas na rua depois de briga nossa porque não tinha como voltar para casa. Agora eu não vou ficar aqui, parada, ouvindo você armar uma ceninha na cozinha só porque, de repente, cê decidiu que quer ficar comigo. Você não tem direito. Não tem direito, Dani, de vir aqui e falar o que quiser, não tem direito de jogar merda nenhuma na minha cara. Uma semana dormindo na minha cama não te dá direito de fazer uma porra de um escândalo a troco de nada. VOCÊ NÃO FAZ IDEIA DO QUE TÁ FALANDO, então toma bastante cuidado com o que você vai ficar latindo na frente de qualquer pessoa de agora em diante, porque cê pode acabar com a minha amizade com o Fer numa dessas e depois não vai ter mais essa de ficar três meses ou um ano longe e voltar achando que tá tudo bem. ISSO ACABA, ENTENDEU? EU E VOCÊ, INFERNO, ACABA DE VEZ! E eu tô falando sério, Dani! Esse seu circozinho podia foder legal a minha vida, CÊ TEM NOÇÃO DISSO, PORRA?! Você não sabe, NÃO SABE MESMO, o que tá acontecendo nessa merda de apartamento, você não sabe de nada do que tem entre a Mia e eu, não sabe de porra nenhuma e NÃO É DA SUA CONTA! Então, cê fica na sua e cala essa sua boca, caralho. CHEGA! JÁ DEU!
 
A Dani me olhou, ainda com os braços cruzados, e eu podia sentir os olhos dela me fuzilando. No entanto, nenhuma palavra saía do meio dos seus lábios, cerrados de raiva. Ela sabia que eu tinha razão. Nós duas tínhamos – mas ela esgotou os seus argumentos antes de mim. Ficamos em silêncio por um tempo, nos encarando, entupidas até a garganta de orgulho, sem ceder. Ao fundo, o rádio gritava “Suspect Device” num volume ensurdecedor.
 
Já tinha tido brigas verbalmente violentas com a Dani no passado. Inúmeras delas. O nosso relacionamento sempre foi destrutivo – e aquilo me lembrava de todos os erros que já tínhamos cometido uma com a outra. Entretanto, disputas silenciosas como a que estávamos metidas naquele momento pareciam ainda piores. Potencializavam todos os sentimentos e intoxicavam por dentro. 
 
Sem se desculpar, uns instantes depois, a Dani ergueu o queixo e descruzou os braços:
 
_Espero que essa idiota valha a pena... – resmungou, irritada.
 
Não respondi. Ela desviou de mim, se dirigindo ao centro do quarto. Pegou seu vestido no chão e o colocou na cadeira do computador, com raiva. Tirou a minha blusa dos Strokes e os meus shorts, com gestos pesados, tomando o seu tempo. E sem pressa, colocou o vestido no corpo e calçou as suas sandálias, pegando as chaves do carro e a bolsa em cima da mesa. Arrancou um maço de cigarro meu, que estava dentro das suas coisas, e jogou na cama. Depois saiu. Simplesmente saiu.
 
Sem dirigir a palavra ou sequer o olhar para mim.