Na manhã seguinte, veio a ressaca – moral ou não. Abri os
olhos e senti minha cabeça doer. A conta de todos os chopps da festa do Marcos
chegou com tudo. Olhei para o lado e vi a Roberta deitada na minha cama, o que diabos eu fui fazer?
Às vezes, acho, o meu julgamento falha. Especialmente de madrugada. Não sei o que diabos acontece
entre as 23h e 6h, parece que tudo ganha uma dimensão maior. Mais
dramática. E eu me deixo levar, pelo meu ego, pelo desespero de não ficar
sozinha, de matar o tempo, ou a dor, a qualquer custo. Caralho. Levantei da cama para desligar o alarme martelando na
minha cabeça. Todas as nossas roupas estavam largadas pelo chão, as minhas e as
da Roberta, como testemunhas passivas de uma série de escolhas erradas.
Pisei sobre elas e andei até o meu armário, tirando a primeira
coisa que achei para ir trabalhar. Só então acordei a Roberta. E ela só faltou
pular da cama, em pânico, assim que disse que já eram quase 7. Estava mais
atrasada do que eu – dava aula numa escola pra lá da Água Branca. Nos
apressamos. Numa passada rápida na cozinha para improvisar um café, nos
deparamos com o outro trabalhador daquele apartamento – com um samba
canção velho e olheiras imensas da bebedeira. À primeira vista, ainda bravo comigo.
Ah é, além de tudo teve isso. As
lembranças da noite anterior eram uma pior do que a outra, argh. O Fer
olhou para a minha cara e me ignorou, tomando um gole de água apoiado na pia.
Mas, então, notou a Roberta entrando atrás de mim.
_Nossa! – sorriu, surpreso – Você eu não via fazia tempo aqui!
_Só eu que não, né? – ela o cumprimentou, rindo – Quem andou
tomando café com você além de mim, hein?
_Vixi... – ele riu – Isso você esclarece com aquela ali, eu não
vou me meter.
_Olha, eu não sei do que vocês estão falando... – dei de ombros – Nunca
trago ninguém pra tomar café.
_Cê sabe que sempre foi minha favorita, né, Rô? – o Fer a abraçou
de lado e me olhou, satisfeito – Que bom que vocês voltaram, meu!
_Nós não “voltamos” – o corrigi, rabugenta – Nós sequer “fomos”.
_Mais ou menos, não é?
A Roberta retrucou.
Só faltou me fuzilar com o olhar. Quis dizer que não namoramos,
revirei os olhos, não dá para
voltar se a gente nunca terminou. Os dois ficaram de gracinha por uns minutos
enquanto eu passava café, me chamando de “Coração Gelado” e enchendo o saco. Matando
a saudade um do outro, basicamente. Enfiei a cara na dispensa – à procura do
cereal e da minha integridade. Mas logo a Roberta lembrou-se do horário e virou
o café de qualquer jeito, saindo correndo pela porta. Sequer me deu um beijo. O
que, admito, incomodou um pouco o meu coração gelado.
_Meu, na boa, você devia namorar com ela.
O Fer comentou, assim que ouviu a porta da frente fechar.
_Tô de boa, obrigada.
_Por que não?
Porque,
Fernando, a garota que eu quero é a sua.
_Hein? – insistiu, diante do meu silêncio – Por que não?
_Não é da sua conta, mano. Que saco!
_Meu, nem vi ela chegar ontem... Que horas a coitada veio para cá?
_Ah... sei lá, tarde. Meia noite e pouco.
_Mano, olha isso, quinta de madrugada... A garota te adora! – se
exaltou – Sério, meu, sabe-se-lá por que motivo ela é completamente idiota por
você e você não está nem aí...
_Eu gosto dela, Fer, não é isso... – respondi, colocando uma
colherada de cereal na boca – ...só não quero casar com a mina, porra.
_Talvez você devesse, ao invés de ficar aí pulando de galho em
galho... – murmurou.
_Que é?! Deu pra dar palpite agora?
Me irritei. E ele balançou a cabeça, comendo o restante do
café-da-manhã num silêncio pouco amistoso. Isso é retaliação, só pode.