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fevereiro 26, 2010

Amigo de peixe, peixinho é?!

O ônibus de volta para Jardins estava vazio. Ou quase. Um playboy babaca falava irritantemente no celular, em alto e bom som, ao lado do coitado do cobrador. Maravilha, pensei sarcasticamente, ao passar pela catraca. Sentei o mais longe que pude, no fundo, e apoiei os pés no banco da frente. Olhei para o lado e um velhinho me encarava, como se desaprovasse o meu descaso com os meios de transporte público. O encarei de volta, algum problema? E para a minha surpresa, ele levantou as sobrancelhas, impaciente, indicando o moleque com os olhos. Comecei a rir e concordei com a cabeça. Velhinho simpático. Coloquei os fones de ouvido e deitei a cabeça para trás, numa tentativa inútil de descansar o que não havia conseguido naquela noite.
 
Fracasso total.
 
A Mia continuava na minha cabeça. Não conseguia tirá-la de lá – revivendo cada segundo da noite anterior. Mas algo me incomodava. Me sentia estranhamente irritada. Talvez porque não havia dormido nem meia horinha ou talvez fosse o cara que não calava a porra da boca; ou quem sabe fosse por causa da Michelle, que resolveu passar o sábado com a minha garota. Minha? Fui praticamente enxotada do apartamento quando a infeliz resolveu arrastar a Mia para a sua casa e não me convidou. Babaca. Agora eu voltava, desacompanhada e com um sono desgraçado, para a Frei Caneca.
 
Puta merda! – o ônibus passou por um buraco do nada e eu bati a nuca violentamente no banco. Sentei reto e decidi não tentar mais dormir, a fim de preservar a minha integridade física. Sabe como é. Argh. Dava tudo para estar com a Mia agora, lamentei. O problema era que, de repente, a noite anterior já não parecia mais as mil maravilhas que foi. Talvez fosse a ressaca ou o meu azedume matinal, resultado direto da amiga empata-foda e do playboy que coexistia escandalosamente comigo no ônibus, não sei. Mas algo revirava o meu estômago. É. À luz do dia, a imagem da Mia se misturava com a do Fernando.
 
E eu me sentia um lixo. A pior amiga do universo.
 
Não tinha desculpa para aquela filha da putice sem tamanho, sem escrúpulos, não desta vez – essa foi pra valer, pensei. E me incomodei comigo mesma. Sentada no banco do ônibus, sem conseguir lidar com o que eu tinha feito: após meses de negação e investidas frustradas, eu finalmente tinha pegado a namorada do meu melhor amigo. Que merda eu fui fazer? Balancei a cabeça, tentando fugir da responsabilidade.
 
Desci na Paulista e caminhei até a minha rua, sentindo o peso de cada tonelada da minha consciência. Os meus passos pareciam afundar o chão. Acendi um cigarro e, antes que o acabasse, já tinha chegado na porta do prédio. Respirei fundo. Joguei a bituca ainda acesa na sarjeta e entrei. Não estava pronta para encarar o meu melhor amigo. Droga. O nervosismo me embrulhava o estômago. No elevador, tudo o que eu conseguia pensar era na cara do Fernando e na porra do orgasmo da Mia. A culpa era minha – em todos os sentidos. Parei na frente do nosso apartamento e ouvi algum som qualquer ao fundo. Isso é...
 
Sepultura?, estranhei.
 
A música indicava que o Fernando estava em casa, argh. O que diabos eu vou falar? Passei a mão no rosto, ansiosa. Bosta. O problema não era mentir. Eu sabia mentir, podia mentir facilmente para qualquer garota, pai, mãe, chefe ou segurança inconveniente de balada – mas pro Fernando, não. Menos ainda nessas circunstâncias. Abri a porta. Sentindo todas as minhas entranhas se contorcerem, angustiada. O som do rádio dominava a sala inteira, num volume inacreditável. É, confirmei mentalmente, é Sepultura.
 
Como não vi ninguém ali, gritei qualquer coisa à procura de quem quer que estava ouvindo àquela barulheira, pedindo para que desligasse. E o Fer logo apareceu do corredor. Estava só de jeans e com uma cara de quem havia acabado de acordar. Ou... Seus olhos pareciam surpresos em me ver ali. E foi quando, atrás dele, vi a Júlia – a hipsterzinha de merda.
 
Ahh, cachorro.

fevereiro 25, 2010

4:20

Aquele telefone demorou uma eternidade para tocar – mas uma hora, tocou.
 
Aleluia.
 
A Michelle atendeu o celular dando uns passos adiante. A gente tinha esquematizado uma rodinha não muito discreta no canto do pátio. Eu estava sentada na mureta do parquinho, com as mãos apoiadas na borda e a Mia ao meu lado, distraída, encarando os próprios pés suspensos no ar. Observei sua amiga indo em direção ao estacionamento e se afastando de nós. Até que finalmente ficamos sozinhas. Nos olhamos e sorrimos, então a Mia deu um trago demorado e abaixou a cabeça.
 
_Como eu faço... – soltou a fumaça e me olhou de novo, passando o baseado – ...pra fazer o que cê fez?
_Como assim?
_Ah, cê sabe... – se constrangeu, contendo um sorriso – ...o, o que você fez... o-ontem... – explicou desarticuladamente – ...quer dizer, eu sei o que você fez e como, mas... e-eu, sei lá, n-não sei se saberia fazer de volta.
_...hum, e queria?
 
Achei graça, tragando e segurando a fumaça enquanto a observava.
 
_Ah, sim, né...
_Em mim?
_É, sua tonta! – a Mia balançou a cabeça, envergonhada – Você entendeu...
_Ok – ri – Eu te mostro...
_Você tá tirando com a minha cara, não tá?
_Não – sorri e passei de novo para ela – É que cê tá uma graça aí, toda girininha...
_“Girininha”?
_É, é o estágio antes de ser sapa.
_Vai se foder! – me empurrou, rindo.
_Ah. A gente chega lá, gata...
 
Nós duas rimos. A Michelle continuava falando no celular, ao longe, e o vento começava a arrepiar nossas pernas. Era uma manhã cinzenta e tipicamente paulistana. Tínhamos descido só com os camisetões que usamos de pijama e sem as calças, claro. Uma decisão que eu agora repensava. Um tanto quanto desprovida de roupa para o clima. O que não é uma boa também quando se está cometendo uma atividade ilegal a pleno céu aberto e do lado da única área infantil do prédio – chama muita atenção. Até então, no entanto, salvos alguns olhares de desaprovação duns vizinhos antipáticos de meia-idade, ainda não tínhamos sido perturbadas.
 
_Ontem foi tão...
 
A Mia retomou baixinho, encarando o chão. E sorriu, sem terminar a frase.
 
_Tão...?
_Não sei, incrível – fechou os olhos, já levemente chapada, e tragou mais uma vez antes de me olhar de volta – Num foi?
 
Sorri – “pra caralho”.
 
_Meu – ela riu – Eu devo ter sido a pior trepada da sua vida!
_Mia, ontem... – a encarei, achando graça – ...não foi uma trepada.
_Não?
_Claro que não!
_Como “claro que não”? E o que mais vocês fazem, então?
_Mano...
 
Eu comecei a rir muito. Um dia você ainda descobre, garota.

fevereiro 24, 2010

As velas

O sol se levantou e eu não havia sequer fechado os olhos. Continuava deitada ali, ocupando obsessivamente meus pensamentos com o que rolou no sofá. Foi mesmo real? Parte de mim não conseguia acreditar. Todas as meninas já tinham acordado àquela altura, falando aqui e ali ainda deitadas. A Mia era a única que seguia dormindo. Fiquei esperando, esperando que acordasse. Ansiosamente. Como se precisasse de um sinal de que não fora um sonho ou apenas imaginação – algum delírio bêbado de madrugada.
 
Depois de inúmeros resmungos e uns bocejos preguiçosos, as outras finalmente se levantaram. E antes de saírem para a sala, tentaram acordar a Mia – já eu fiquei no quarto. Com saudade de estar sozinha com ela. Apoiei os meus braços no seu colchão e encostei a cabeça de lado. Sonolenta, desperta pela movimentação toda, a Mia enrolava para abrir de vez os olhos e eu a observava. Tinha os cabelos castanhos caídos sobre as bochechas e o nariz. E uma das mãos no rosto. Três pequenos pontinhos tatuados em um dos seus dedos, entre o do meio e o indicador. Ah, garota, suspirei.
 
_Oi... – ela despertou, ainda sonolenta.
_E aí, bonita... – cochichei de volta e sorri, ela afundou o rosto no travesseiro.
 
Sem a bebida e o véu da madrugada, todavia, algo agora me incomodava por dentro. O que diabos eu vou dizer para o Fer, senti o meu peito doer. Foi quando a tal da Laura nos interrompeu, entrando no quarto novamente para ver se a Mia já tinha levantado. Ela e a Michelle estavam com fome, disse. Empata-foda. Saí de lá, deixando as duas, e fui até o banheiro lavar o rosto – já emburrada. Sem esperanças de ter mais um segundo sozinha com a Mia. Me olhei no espelho, com o cabelo amassado e a raiz por fazer debaixo daquele descolorido tosco, e tive a certeza de que a ausência de horas dormidas naquela noite não poderia ser disfarçada. Estava estampada na minha cara, com duas olheiras enormes.
 
Deus. Quem come croissants de café-da-manhã?, me surpreendi, instantes depois, entrando na cozinha e encarando a cesta de pães em cima da mesa. Aquilo parecia cena de novela. Na verdade, a casa inteira da Mia parecia ter saído do horário nobre da Globo. Desviei o meu olhar dos pães e dos talheres bonitos e notei que, do outro lado da mesa, a Mia me olhava. O meu coração disparou na mesma hora. Me esforcei para conter um sorriso e não revelar às outras o nosso pequeno e fantástico delito daquela noite.
 
Após o café, descemos para parte de trás do pátio do prédio para fumar um e a Laura precisou ir embora. A tal da Gi disse que ia junto. Elas iam para o centro de São Paulo, passando quase do lado do meu apartamento, mas insisti que não precisava de carona. Mentira. Tudo o que eu queria era ficar mais um tempo com a Mia antes de ser jogada de volta à realidade. No final, restamos só nós e a outra amiga. Não via a hora de me livrar da Michelle, mas a garota parecia obstinada a não ir a lugar algum. Nossa ressaca estava insuportável. Expulsamos umas crianças do parquinho do prédio e ocupamos as balanças que ficavam no pátio. A Michelle sentou no chão para bolar um. O tempo todo, a Mia dava um jeito de me espiar e eu a olhava de volta, sem falar nada. Apenas sorríamos.
 
Mas a porra da amiga continuava lá.

REPORTAGEM ♥

Sapatonas do meu coração, 

O site Dykerama – que, tenho certeza, todos vocês já conhecem – fez uma matéria lindíssima comigo sobre o blog! Gostaria muito que vocês prestigiassem o Fucking Mia lá, lessem a reportagem e comentassem! :') 


E aproveitando, muito obrigada por acompanharem a história e pelos comentários maravilhosos. Obrigada mesmo!  

Quase dia

E quem disse que eu conseguia dormir? A Mia e cada segundo daquela noite não saíam da minha cabeça, meu deus.

Busted!

_O que vocês estão fazendo?
 
A mãe da Mia perguntou, amarrando um roupão por cima da camisola, ao acender a luz da sala – “por que tá tudo escuro aqui?!”
 
_Nada, mãe... – a Mia resmungou, numa atuação brilhante de última hora – A gente foi na cozinha só...
_Já está tarde... – nos olhou ali, ofegantes e descabeladas, desconfiada – O que aconteceu aqui?
_Como assim?
_Como “como assim”, filha? – se irritou – O que vocês duas estavam fazendo?
_Mãe, mas que droga... Qual é a sua, porra? Não tem nada rolando!
_Não precisa ser grossa na frente da sua amiga, Mia – ela falou, educadamente, e olhou para mim, que sorri amarelo – E vocês não vão dormir, não?
_Vamos, vamos. Já estamos indo...
 
Eu e a Mia dissemos “boa noite” em coro, como duas adolescentes pegas no flagra. E entramos no corredor, conforme a sua mãe se dirigia à cozinha. Peguei na sua mão e olhei para a Mia, depois espiei para trás, me assegurando de que já estávamos sozinhas. Assim que chegamos na porta do quarto, a coloquei contra a parede e a segurei pela cintura, com uma vontade desgraçada de continuar.
 
_Cê tá louca?! – ela cochichou, rindo – Minha mãe tá acordada!
_Tô. Tô louca por você, sabia?
_Nossa. Como você é brega...
_Tô nem aí!
 
Eu ri e a beijei rapidamente, me divertindo. Assim que nossos lábios se afastaram, sorrimos e nos apressamos para abrir a porta. Atravessamos o quarto no escuro, tentando não fazer barulho. A Mia sentou no meu colchão, antes de subir para a sua cama, e ficamos ali por um tempo. De mãos dadas.
 
_Fazia tempo que eu não era flagrada por uma mãe...
_Ai, que vergonha... – a Mia apoiou a cabeça no meu ombro – Nem me fala.
_Me sinto com 14 anos de novo, pegando meninas em banheiros, tendo que fugir de pai e mãe, dando beijo escondido...
_Olha, você não tá ajudando a situação – ela riu, constrangida.
_Vem – disse baixinho e sorri, beijando-a no rosto – Vamos dormir...

fevereiro 23, 2010

Lei de Murphy

Sua respiração falhou como ondas quebrando nas pedras.
 
P u t a q u e p a r i u.
 
Aquele foi o melhor orgasmo da minha vida – o dela.
 
Perdi a cabeça. A noção do tempo, de tudo. Onde eu parei? Ah, é... No meio das pernas da Mia. Senti as suas mãos no meu cabelo, apertando-me com força contra seu corpo. E subi as minhas para o seu quadril, a puxando na minha direção. Prolongando a sensação. Podia ouvi-la perder o fôlego. As suas pernas tremiam. E ela se contorcia no sofá, tentando não fazer barulho. O formigamento se espalhava sob a sua pele, como a água escorrendo de volta para o mar. O seu gosto em mim.
 
E aí tudo desacelerou, flutuou.
 
Mas eu, mal esperei que se recuperasse, eu quero mais, garota. Insistente, subi pelo seu corpo, nuns beijos que a empurravam quase além do que aguentava. Ela estava inteira arrepiada. E eu, sem conseguir parar. A minha boca me denunciava, a fissura pela sua pele. Cada toque irradiava pelos seus poros, a ressaca depois da chuva. Um oceano de vontade. Até então, a Mia não havia encostado um só dedo em mim. Parecia não sabia direito onde colocar as mãos. E eu achava certa graça na sua heterossexualidade toda. Quanto mais minha boca subia, todavia, mais ela parecia querer. Coloquei uma perna de cada lado do seu corpo e tirei a minha camiseta. Ela desceu o olhar por mim, ainda ofegante – num misto de curiosidade e tesão. Nem um pouco hétero. E eu me inclinei para frente para beijá-la. O problema é que a droga da camiseta continuava na minha mão, preciso me livrar disso. Sem pensar, me inclinei de novo para trás e joguei aquele pano inútil para longe, no meio da sala escura.
 
Que idiota.
 
A blusa mal encostou no chão e, metros adiante, alguém acendeu a luz do corredor. Merda. Mil vezes merda. Me arrependi na mesma hora, me sentindo uma porra duma iniciante. A Mia me olhou, desesperada, e eu saí de cima dela em velocidade recorde. Nos atrapalhamos um pouco pela sala, ainda meio bêbadas de cerveja e adrenalina, nos trombando umas duas ou três vezes até conseguirmos nos vestir. E paramos em pé no meio da sala, descabeladas, recuperando o fôlego; camisetas ao avesso.
 
Tudo em menos de 10 segundos.

Agora agüenta...

"If people were rain,
I was drizzle and she was hurricane"
 
—via Tumblr, Looking For Alaska

fevereiro 22, 2010

Meia-noite

A essa altura, eu já havia perdido os bons modos. E todas as sutilezas. Que se dane. Lá estava ela, a mulher que eu queria. A Mia. Em cima de mim, as pernas descobertas e a boca no meu ouvido. Acho que nunca senti tanta..., meu deus. A água subia. E eu mal conseguia respirar. Assim que disse aquelas palavras, afundando a minha mão entre suas pernas, a minha língua percorreu o seu pescoço. Até morder a sua boca e a beijar, era como desembrulhar um presente pelo qual você aguardou a vida toda. Você não quer tirar fita por fita, remover cuidadosamente o papel e dobrá-lo num canto para reutilizar no próximo pacote.
 
Ah, não.
 
Você quer rasgar a porra toda.
 
E eu o fazia – a beijava como se nunca tivesse saciado a minha fome em outras garotas. E de fato, não tinha. Não era suave, não mesmo — era sal e pressão e a sensação vertiginosa de ser arrastada para um lugar que você mal consegue suportar. Tocando o fundo do mar. A curva do seu pescoço, a umidade entre as suas pernas, arrastando os dentes na ponta do seu queixo e encaixando em seguida a minha boca na sua. De novo e de novo. Com a voracidade de quem quer mais. Até se afogar. Nossos beijos se intensificaram, nuns exageros bêbados. A Mia me apertava para junto dela, perdíamos a mão. Deslizei as minhas pelas suas coxas até a sua cintura, levantando a sua blusa. O tecido escorregou por cima da sua cabeça e eu o segurei contra as suas costas, abraçando-a descoberta. Ela me mordia de volta, machucando os meus lábios. Como quem realmente sabia pegar pesado.
 
E sinceramente? Se tivesse com mais roupa do que por sorte estava, não teria restado uma inteira no chão. Nem dela, nem minha. Podia sentir a sua respiração oscilar. A Mia se movia contra o meu corpo como a corrente, constante e intensa, forte o suficiente para devastar o mundo ao meu redor. Os meus pulmões, a minha pele. Tudo que restasse. Dezenas de flores de cerejeira desciam pelas suas costas. Até a lateral da sua barriga. Enchi as minhas duas mãos com suas curvas – e num atrevimento indecente, desci uma delas. Escorregando os dedos sobre o tecido já molhado da sua calcinha. Naquele vai e vem. Não conseguia tirar os olhos, a boca e todo o resto de cima dela. Ela me beijava com um tesão gostoso, me apertando com força. Os meus dedos encontravam caminho por dentro da calcinha. Num só movimento, virei-a contra o sofá e fiquei por cima.
 
_V-você não acha que... – ela me interrompeu, de repente.
_Mia, na boa – eu ri, beijando cada centímetro da sua pele – Cala a boca.
 
A sua respiração oscilou, ansiosa, conforme eu descia os lábios pelo seu corpo. Me deixa acalmar essa confusão dentro de você, garota. Ela me olhava de volta, fixamente. Todos os sentidos à flor da pele – eu sabia o que ela estava sentindo. Já tinha passado por aquilo. E queria mostrar como fazer para a tempestade passar. Confia em mim. Mas o seu olhar não desgrudava do meu. Atenta. Descendo comigo até a altura do seu umbigo e então mais embaixo. A Mia mordeu a boca, num nervosismo visível, acompanhando cada movimento. Lambi por cima do tecido, a maré alta. Lua cheia. E coloquei a sua calcinha para o lado, a sua respiração acelerou. Os olhos dela se fecharam. E os meus dedos deslizaram lentamente para dentro. Os subi então até a minha boca, molhados, lambendo o seu gosto antes de começar.
 
Pois é, baixaria. Eu sei.

Metáforas

Sabe quando você decide o que quer de Natal e ainda é julho?
 
Então, você espera. Chegar agosto e aí setembro e depois outubro e só após muito, muito tempo novembro? Pois bem. Dezembro. Você se acalma. Acha que está quase lá, não falta tanto, mas daí vêm aqueles 24 dias lentos de verão que parecem não passar nunca. Dia 1, 2, 3... 14, 15, 16... 21, 22, 23... Chega a porra do dia. Sua mãe coloca os presentes embaixo da árvore e você olha um por um, até achar o seu – a caixa é exatamente do tamanho do que você tanto desejou. Maravilha, você pensa, se animando por um instante. Mas a verdade é que você está sofrendo – sofrendo duma antecipação cruel. A espera é devastadora. O resto da família chega aos poucos. Vocês conversam, por horas – e o presente lá. Vocês começam a pôr a mesa, na velocidade de uma tartaruga manca ladeira acima – e o presente lá. Vocês jantam, prato por prato – e o presente lá. Aquela porra não acaba nunca, você já está quase socando a comida estômago adentro para terminar logo – e o presente lá. Vocês saem cheios da mesa, os estômagos enormes, e o babaca do seu tio resolve reunir todo mundo na cozinha para algumas piadas idiotas – e o presente lá. Eis que surge o Papai Noel, aquele benfeitor desgraçado filho de uma égua que não para de falar. Pirralho por pirralho, até o fim daquela sacola imensa – e o presente lá. Você não está mais se aguentando, já perdeu toda a paciência, não consegue mais se segurar de ansiedade e a sua mãe tem a pachorra de lhe dizer que os pacotes embaixo da árvore são só para “depois da meia noite”. São dez e meia. Dez e meia. Você perde a cabeça, grita com a sua mãe, diz que vai abrir de qualquer jeito e a família inteira te condena. Qual é. Onze horas – e o presente continua lá. Te chamando, te provocando. Te deixando louca, vai tomar no cu. Você tenta se distrair. Faz de tudo, espera uma eternidade para olhar novamente no relógio. Aí olha. Onze e meia. Arghhh! Fala sério?! Onze e quarenta. Onze e quarenta e cinco. Onze e cinquenta. Onze e cinquenta e cinco. Onze e cinquenta e seis. Onze e cinquenta e sete. Onze e cinquenta e oito. Onze e cinquenta e nove. Onze e cinquenta e nove. Onze e cinquenta e nove. Ainda onze e cinquenta e nove? Onze e cinquenta e nove, onze e cinquenta e nove, onze e cinquenta e nove... Onze e cinquenta e nove. O minuto mais longo da história se prolonga, irritantemente, e quando você olha de novo as horas – são onze e cinquenta e nove, ainda.
 
Puta que pariu.

fevereiro 19, 2010

De volta ao sofá

_Quão pesado os seus pais dormem?
 
Perguntei, entre um beijo e outro, me agarrando com a Mia em meio à sala.
 
_Bem pesado – ela respondeu, ofegante – Mas a gente... – emendou, antes de outro beijo – ...a gente não pode fazer barulho.
_Olha, vai ser meio difícil...
 
Joguei-a contra o sofá, ainda em pé na sua frente.
 
_Um pouco convencida, não acha? – a Mia riu.
_Não foi isso que eu quis dizer – revirei os olhos e me dobrei para frente, segurando-a com as duas mãos – Se bem que... – a beijei, falando entre um beijo e outro, com o meu joelho apoiado sobre o sofá – ...veremos, né.
 
Ela riu, indignada, me dando um tapa no braço. E a beijei de novo. Suas mãos seguraram o meu rosto e eu a puxei novamente na minha direção, subindo em cima dela. Rolamos pelo sofá. Ela ficou em cima. Colocou uma perna de cada lado do meu corpo, numa camiseta velha do Concrete Sox. Puta que pariu. Ela se abaixou para me beijar e eu empurrei as suas coxas, fazendo com que se encaixasse direito. Nuns beijos que começavam como a maré subindo. Entrelaçou os dedos no meu cabelo, me segurando com vontade. E eu subi as mãos por debaixo da sua camiseta.
 
_Espera, espera... – a Mia hesitou, tirando as minhas mãos – E se alguém pegar a gente, meu?
_Ninguém vai pegar a gente... – achei graça – ...vem cá.
 
São três e meia da manhã.
 
“É sério”, Mia me beijou de volta e eu murmurei, “relaxa”. “Não consigo”, ela riu. . Recuei e me apoiei nos meus cotovelos – “olha, nós somos minas”, argumentei, “e minas tão juntas o tempo todo... eu usei essa desculpa a minha adolescência inteira”.
 
_Mas os meus pais tão logo ali no quarto!
_Esse apartamento é imenso, meu. E outra, mesmo que seus pais entrassem aqui... Eles vão achar que a gente tava fazendo qualquer outra coisa, não vão suspeitar de uma amiga que você trouxe para passar a noite com todas as outras.
_Eles vão, sim... – ela riu – ...se a amiga for você.
_Ah, é? – levantei as sobrancelhas, rindo – E o que isso quer dizer?
_Você sabe o que quer dizer.
_Quê?! Eu sou sapatão demais para ser só sua amiga?!
_É... – a Mia fez graça, mordendo a ponta da língua – ...mas eu gosto.
_Gosta?
 
Ela curvou o corpo e se aproximou, descendo a minha mão até a sua calcinha molhada, cochichando no meu ouvido – “me diz você”.
 
Ah, garota. Você não devia ter feito isso.

Encontros e desencontros

Perdi a conta, e a cabeça.
 
Não faço ideia de quanto tempo ficamos ali. Num beijo atrás do outro, no maior silêncio que conseguíamos. Aí outro. E mais dez, vinte minutos. Numa dificuldade cada vez maior de não fazer barulho. Meu deus, me faltava o ar e eu sentia os nossos lábios se encostando de novo. Repetidas vezes. Nos perdíamos no colchão e nos encontrávamos, mais uma vez, como se nossas bocas soubessem o caminho uma até a outra no escuro. Instintivamente. E o meu coração doía com o que os meus lábios não eram capazes de dizer – eu sou completamente apaixonada por você, garota.
 
Para a Mia, eu provavelmente não passava de uma aventura que ela curtia pelos cantos do meu apartamento com o Fer. Um flerte. Uma brincadeira boba em uma festa de pijama. E eu sei – tá. Mas naquele momento, eu não me importava. Beijava-a com toda vontade que tinha dentro de mim. E nessas, tentava trazê-la para cima do meu corpo, vez atrás de outra. Mais uns beijos. Fazia um movimento para cima dela e ela me empurrava de volta para o colchão, rindo. Puxava-a contra mim e tentava virar de novo, mas caía sozinha encostada na cama. Droga. A Mia persistia ali, perpetuamente do meu lado. Mas com a boca invariavelmente na minha.
 
_Vem aqui... – eu sussurrava e a beijava de novo, pressionando-a contra o lençol, subindo em cima dela com as mãos na sua cintura, entre as suas pernas, tanto faz.
_As meninas vão ver... – ela ria e me empurrava de volta.
_Elas tão dormindo, Mia... – a persuadia – ...vem cá.
_Não, não... Não.
 
Fazia graça. E cada beijo fazia as minhas coxas se contorcerem. As dela também. Acho que não passava tanta vontade assim do lado de uma garota desde, sei lá, o ensino médio. Encostei as costas no colchão, respirando fundo, e passei as mãos no rosto. Tentando recuperar o fôlego. Isso vai acabar comigo, suspirei. Aí os dedos da Mia tocavam a pele entre a minha cueca e a camiseta, deslizando a mão lentamente, ensaiando entrar ali, e o meu corpo todo tremia. Caralho. Ela me abraçava pela cintura e voltava a me agarrar, nuns beijos cada vez mais molhados. Caralho. Caralho. Mas me afastava. Puta merda. Toda vez. Para depois encostar a boca no meu pescoço e vir, me torturando de novo.
 
_Meu, n-não dá. Não dá mais – levantei de repente, numa tentativa esfriar a cabeça – Olha, eu... e-eu vou pra sala. Eu vou dormir lá, tá?
 
A Mia se apoiou na cama, me olhando surpresa. E eu saí. Fechei a porta atrás de mim, deixando-a no quarto. Cacete. O corredor estava ainda mais escuro e a casa completamente morta, o silêncio dominava todos os cômodos. Deitei no maior sofá da sala e esperei ali, sozinha. Nada se movia. Pelo amor de deus, desejei, só vem. Não me deixa aqui sozinha. A ansiedade me consumia violentamente. E as minhas mãos judiavam do meu cabelo, segurando-o entre os dedos no topo da cabeça, tentando conter os ânimos. Em vão. Encarava fixamente o corredor.
 
E a Mia não aparecia. Devia ter ficado lá, me arrependi no segundo seguinte. Do que diabos eu tô reclamando? Devia tá de joelhos por essa mina, só por ela tá me beijando assim. Mas logo todo meu conformismo sucumbia à ideia de estar efetivamente de joelhos entre as suas pernas. Meu deus, eu ri, sozinha, olha a ganância. Decidi então que precisava mesmo era de um cigarro. O único problema é que eu havia deixado o meu maço no quarto – junto com as minhas calças e a vergonha na cara. E não queria voltar para pegar.
 
Vai parecer que eu fui lá fazer ceninha, hesitei. Não ia pegar bem. Se a Mia não ia mesmo vir para a sala, o melhor era não encontrar com ela de novo. Não queria que se sentisse pressionada – o problema é que eu realmente precisava de um cigarro. Argh. Me levantei, após alguns segundos de indecisão. Se eu for rapidinho, talvez ela nem note? Fui na direção do corredor e, do nada, trombei com a Mia no meio do caminho. Literalmente nos trombamos – o meu corpo esbarrou no dela, desajeitadamente. No breu. Estava escuro demais para enxergar qualquer coisa.
 
_O que cê tá fazendo?!?
_Eu ia pegar um cigarro... – cochichei de volta – O que você tá fazendo?!
_E-eu ia te encontrar. Não era... – relutou, como se tivesse feito algo errado – ...p-pra te encontrar?
_Sim – sorri, aliviada – Claro que sim.
 
Ela veio.

fevereiro 18, 2010

No escuro

Ficamos quietas pelo que me pareceu uma eternidade. Todas as luzes estavam apagadas. A Mia tinha arrumado os colchões no chão do seu quarto e o meu estava ao lado da sua cama. Duas garotas foram embora e as outras três capotaram numa rapidez que só era possível dada a quantidade abismal de cerveja consumida nas horas anteriores. Eu estava exausta também – mas o meu coração não me deixava dormir. Restava agora saber se o álcool teria o mesmo efeito na Mia que teve nas amigas ou se, como eu, ela também não conseguia pregar os olhos.
 
Então esperei. Não posso parecer desesperada, hesitei, insegura. E continuei ali, deitada, olhando para a luz que vinha da janela. Os minutos se prolongavam. E eu estranhava o quão silencioso era aquele apartamento – acostumada a dormir num quarto que, todas as noites, era invadido pelos ruídos ensurdecedores de carros e viaturas e viados e a juventude porralouca que ocupava os bares da Augusta. A calmaria dos bairros residenciais me inquietava. Me sentia como se tivesse 15 anos de novo, deitada no meu quarto, numa rua excessivamente tranquila em Santo Amaro.
 
Foi quando ouvi um barulho.
 
Do nada, como se alguém se mexesse no escuro, na minha direção. Olhei para cima, mas ela não veio. A sua cama continuava a mesma, a poucos centímetros acima de onde eu estava deitada. Estática. A única diferença é que agora a mão da Mia pendia no ar, ali, sobrando para fora do colchão. Quase em cima de mim. Observei os seus dedos no escuro, contemplando a forma como a luz que vinha da rua tocava a sua mão discretamente. E o meu coração acelerou. Me senti uma idiota, como se estivesse na terceira série e quisesse pegar na mão de alguma garota da minha classe – sabe aquele medo bobo e infantil? Pois é. Parada ali, completamente imobilizada, olhando para os seus dedos, o seu pulso suspenso no ar. A que ponto eu cheguei, suspirei. E me forcei a engolir a minha ansiedade. Eu consigo fazer isso.
 
Levantei o braço e... segurei sua mão.
 
Nisso, ouvi a Mia falar baixinho no escuro – “você tá acordada?”.
 
_Tô...
 
Ficamos em silêncio por um instante. A sua mão entrelaçada na minha. Em meio ao breu. Então tomei coragem. Ergui o corpo e sentei no meu colchão, prestando atenção se alguma das outras garotas se movia, se haviam ouvido. E sem fazer o mínimo ruído, subi na cama da Mia. Às escondidas. Me deitei ao seu lado e os olhos dela me encontraram no escuro. Ela se moveu para perto de mim e apoiou a cabeça no meu ombro, enquanto eu colocava o braço ao seu redor. Senti o seu sorriso contra a minha camiseta. E as nossas mãos se entrelaçaram de novo.
 
_Gostou de hoje? – cochichou, para que apenas eu escutasse.
_Muito.
_Você devia vir mais vezes...
_Todas as que você quiser – respondi, baixinho.
 
E desci a mão pelo seu rosto, a admirando.
 
_Você... – sussurrou – ...v-você faz eu me sentir estranha.
_Estranha?
_É. E-eu... fico nervosa quando, q-quando tô com você.
_Eu também.
_Mas é diferente. E-eu, sei lá... – confessou – ...não sei o que fazer, como agir. Me sinto uma criança, às vezes.
 
Comecei a rir, em silêncio.
 
_O que foi?
_É que eu tava pensando isso, nem cinco minutos atrás.
_Você? – me olhou de volta, eu conseguia ver apenas alguns de seus traços no escuro – Por quê?
_Porque eu queria segurar a sua mão e não sabia como.
_Mas agora você tá segurando...
_Agora eu não tô mais nervosa – cochichei.
 
E me aproximei do seu rosto, encostando a pontinha do meu nariz no seu. Meu rosto se inclinou lentamente, como se deslizasse pelo seu. Nossos movimentos ocultados pelo breu. Senti a sua respiração morna e fechei os meus olhos, num beijo em segredo.
 
E é. Era mentira – eu tava nervosa pra caralho.

fevereiro 16, 2010

Infalível?

Olhei no relógio da televisão e já eram mais de 2 da manhã. As garotas estavam deitadas ao redor de uma panela de brigadeiro feita dez minutos antes, num clichê que transparecia o outro lado das suas personalidades, fofocando sobre um cara que eu desconhecia. Uma delas saiu com ele por um tempo na faculdade. Tagarelavam todo tipo de baixaria e eu observava a conversa de cima do sofá, fumando perto da janela. Os meus olhos se direcionavam obsessivamente à Mia, pensando no que disse horas antes.
 
“Talvez”.
 
A possibilidade me consumia, numa fixação que ocupava cada segundo da minha presença naquele apartamento. Precisava descobrir o que diabos a Mia quis dizer com “talvez”. E precisava descobrir logo. A minha estratégia era infalível. Isso tem que dar certo, implorei mentalmente. Esperei que ficasse sozinha e casualmente puxei assunto, sem as suas amigas por perto. A Mia estava colocando a panela suja na pia e eu me aproximei, me apoiando na bancada.
 
_Sabe, eu tô com um problema...
_Eeeiiita – ela falou prolongadamente, bêbada, distraída com a torneira – O que é?
_Bom, como você sabe, o metrô já fechou...
_É.
_E também não tem ônibus...
_Não.
_E não tenho como voltar até a Paulista a pé, né...
_Ai! Quer que eu veja se alguma das meninas pode te dar carona?
 
Não, Mia. Obviamente que não.
 
_Na verdaaade... e-eu estava pensando se eu não podia... – ela levantou as sobrancelhas, finalmente percebendo as minhas intenções – ...sei lá, dormir aqui, talvez?
_“Talvez”?
 
A Mia riu.
 
_É. Talvez.
_Sei.
_E aí, que cê acha?
_Olha, você até pode, o problema... – ela me olhou, contendo um sorriso – ...é só que... – segurou suavemente na barra da minha camiseta – ...você não foi a primeira a pedir.
_Cê tá zoando – ri.
_Não. Eu e você... – continuou, puxando a minha camiseta de leve – ...vamos ter que dividir o quarto com a Laura... e a Gi... e a Mi também.
 
Merda. Não consegui esconder minha decepção. E a Mia se divertiu com a frustração que rapidamente tomou o meu rosto – é disso que cê gosta, né, desgraça?, pensei. De me ver sofrer. E não que eu me orgulhe das minhas intenções ali. Mas, inferno, precisava virar a porra da festa do pijama?

fevereiro 12, 2010

Catfight!

Ao final das lutas e de todas as bebidas que conseguimos achar naquele apartamento, nos encontrávamos numa brisa boa, caídas no tapete felpudo do quarto de televisão. O que eu não daria por um baseado agora. Todas as meninas estavam descalças e deitadas, olhando para o teto enquanto a gente conversava, à toa. Algo sobre quem sobreviveria mais tempo num apocalipse zumbi. Coisa da Mia. Foi quando uma das suas melhores amigas, a Michelle, sugeriu a si mesma como a resposta óbvia.
 
E deu-se início a uma gritaria.
 
“Você não consegue matar nem uma barata”, “não ia durar dois dias”, “cê sabe que não ia ter delivery, né?”, “cala a boca” – as acusações voaram. Todas bêbadas e discordando entre si. Eu só ria, ciente de que seria a primeira a arregar, a pular dum prédio, sei lá. Doar meu cérebro voluntariamente pra não ter que lidar com a ansiedade. Com o intuito de se provar, a Michelle começou uma briga desajeitada com uma outra garota. E as duas começaram a rolar pelo tapete, nos atropelando, numa demonstração gratuita de violência que nos obrigou a levantar e dispersar.
 
Me sentei mais adiante no chão, ao lado da Mia, apoiando as costas de novo contra o sofá. E ficamos observando a disputa, nos divertindo. Era meio de brincadeira, claro, mas elas se desequilibravam e acabavam deferindo golpes reais por acidente. Aí se xingavam de verdade.
 
_Hum – cutuquei a Mia, de olho na briga – A gente devia fazer isso qualquer dia, eu e você...
 
Ela começou a rir. Sem precisar de muito para que soasse como sacanagem.
 
_Tá achando interessante?
_Opa... – fiz graça, me afundando ainda mais contra o encosto – ...se soubesse que ia ter luta de verdade nem tinha me atrasado.
_Ah! Então, quer dizer que cê veio pelas minhas amigas? 
_Não – retruquei – Eu vim por você, Mia.
 
Ela sorriu, satisfeita. E eu quis cavar um buraco para enfiar a minha sinceridade alcoolizada, argh. A briga seguia à toda. A tal da Michelle conseguiu errar um chute e cair sozinha em cima do tapete – e do próprio braço. Ui. Que dor. Com o canto do olho, reparei que a Mia ainda me observava e virei o rosto na sua direção. Ela sorriu mais uma vez, eu perguntei o que era. Ela só balançou a cabeça, como se fosse besteira – “nada”. Hum. Nisso, a outra menina se enroscou com a Michelle no chão de novo, empurrando outra delas, a Laura, que resmungou e entrou no bolo – era mão e perna para todo lado.
 
_Hum. Talvez a gente... – a Mia comentou, baixinho – ...devesse mesmo fazer isso, dia desses.
_Oi? – olhei para ela, na hora.
_Você sabe... – mordeu a pontinha da língua, flertando de leve – ...eu e você, pra ver quem ganha.
_É? – sorri de volta.
_Depende. Cê é boa de luta?
_Olha, não sei... – fiz graça – ...mas, né, eu tento treinar sempre que posso.
_Ah, eu imagino... 
 
Imagina?
 
_Hum – arqueei a sobrancelha – Imagina como?
_Larga de ser tonta... – ela riu e me afastou dela, constrangida – Não desse jeito!
_Aham. Eu sou tonta, mas cê que tá aí querendo brincar de lutinha comigo... 
_Que absurdo! Foi você que começou!!
 
Me deu um tapa na barriga, revirando os olhos, e eu rachei o bico. Mais adiante, suas amigas finalmente começavam a desistir da disputa, se ajudando a ficar em pé. Os meus olhos voltaram de novo para a Mia.
 
_Se eu te chamar, um dia desses... – tomei coragem e perguntei – ...você vai?
_E-eu... – ela hesitou – ...n-não posso.
_E se eu te chamasse hoje?
 
A Mia me encarou por um instante.
 
_Talvez.

fevereiro 10, 2010

Oh, fuck...

She suffocates me,
She suffocates me with suggestion.

(Tricky)

A casa da Mia

Parei em frente a um prédio chique de Higienópolis e me senti imediatamente deslocada. Isso não vai dar certo, pensei, metida num jeans surrado com meu All Star favorito – o que imaginei ser uma roupa apropriada para passar uma “noite com as meninas” vendo UFC. O problema é que eu nunca tinha ido na casa da Mia antes. Mal sabia direito onde era, tive que jogar o endereço no Google e descobri, um pouco tarde demais, que ela morava numa fucking mansão. Ou praticamente isso.
 
Assim, não que seja difícil morar melhor do que eu e o Fernando, não é?
 
Nosso prédio ficava no meio de uma das principais bocas da cidade – e definitivamente a minha roupa era mais apropriada para aquilo do que para aquele edifício imenso que claramente tinha apenas um apartamento por andar. Onde fui me meter? Depois de uma certa espera, a mãe da Mia atendeu a porta. Fala aê, sogrinha. Sorri. E ela fez uma imediata cara de desaprovação. Era uma dessas peruas que andam por aí com lenços caros no pescoço, as unhas feitas. Sabe? E eu certamente não era o que ela esperava ver ali.
 
Cruzamos o apartamento sem trocar uma palavra. Aquele lugar devia ter alas inteiras que eu nunca veria. Me levou até o quarto onde estavam as “meninas”. Eram seis, incluindo a Mia – todas aos berros com a televisão. Eu estava claramente atrasada. As lutas já haviam começado há algum tempo. Sentei ao lado da Mia no chão e me diverti observando as reações empolgadas do grupo a cada soco ou joelhada. Sempre achei que a Mia destoava das suas amigas do Mackenzie, mas rapidamente percebi que isso era só porque não as tinha visto daquele jeito.
 
Aquilo era diversão de primeira classe.
 
A quantidade de palavrões embriagados mal cabia entre as quatro paredes da salinha. E quando digo “embriagados” é de tanta latinha de cerveja e baldes de pipoca vazios espalhados pelo chão, chutados acidentalmente cada vez que uma das garotas gritava com a televisão. Eu não sabia porra nenhuma sobre UFC. Ou qualquer outro esporte – todo o meu pouco conhecimento sobre futebol foi adquirido contra a minha vontade por convivência com o Fer e o meu velho. Mas a Mia me explicava quem eram os lutadores, as regras, cochichando por cima do meu ombro e rindo da minha falta completa de referência.
 
As horas mergulharam madrugada adentro. Em um dos intervalos, me levantei para buscar mais cerveja na geladeira – o último de muitos engradados – e me perdi pelo apartamento por um instante. Essa bagaça é um labirinto. A cozinha ficava do outro lado da sala de estar e, em minha defesa, a porta estava posicionada em um lugar que não fazia o menor sentido. Debrucei-me sobre a geladeira e, sem que a tivesse ouvido chegar, a Mia me abraçou por trás – colocou os braços ao redor do meu pescoço, apoiando-os nos meus ombros.
 
_Precisa de ajuda... – perguntou, soando bêbada e feliz – ...aí?
 
Respirei fundo. Isso acaba comigo, mano. Todo aquele contato com ela, o jeito como era comigo. E acho que a Mia sequer se dava conta – mas o meu coração disparava, toda vez. Por mais casual que fosse. A gente andava nos encostando mais nos últimos tempos. Ela me abraçava, apoiava a cabeça no meu ombro, segurava a minha mão na fucking varanda dos outros. Era quase como se estivéssemos nos esbarrando inconscientemente. E isso era um problema – dada a incapacidade do meu coração de separar as coisas.
 
Não sabia o que pensar. Não depois da festa, e de como terminou. Sentia que ela tinha desenvolvido algum tipo de afeição por mim, mas que não chegava a ser romântica. Menos ainda sexual. Parecia meio, adolescente? Não sei. Sentia que, às vezes, a Mia me equiparava às suas amigas. E aí não entendia quando resolvia entrelaçar secretamente os seus dedos nos meus, por debaixo duma almofada, para que as outras não percebessem. O que você tá fazendo, garota? Eram todos aqueles sinais ambíguos demais – indiretos demais – pairando entre nós. E isso me enlouquecia. O vai-e-num-vai. Toda aquela discrição, porra. Num chove-não-molha o tempo todo.
 
Mas eu não queria que ela parasse.

Na porta do estúdio

Concluí que era a Roberta. Quem mais poderia ser? Ela morava era relativamente perto dali e algo me dizia que eu ainda não tinha sofrido todas as consequências daquela noite. Esfreguei os olhos, tentando colocar a cabeça no lugar. E respirei fundo, tá. Vamos lá. Empurrei a porta. Ao sair em frente ao estúdio, no entanto, vi a Mia.
 
Estava linda. E ali. Com o seu coturno surrado e o cabelo num rabo mal preso, fumando na calçada. Os shorts desfiados me confrontavam com todas as tatuagens que segurei nas minhas mãos no banheiro daquela festa e a regata branca deixava visível a alça de um sutiã preto por baixo. Desgraça. Tudo na Mia me atraía na sua direção, eu simplesmente não conseguia evitar. Era como olhar por tempo demais para o sol. Eu não conseguia ver mais nada depois. Ela sorriu ao me notar e eu passei as mãos no rosto, tentando disfarçar minha cara tonta de apaixonada.
 
_O que cê tá fazendo aqui?
_Vim encontrar meu irmão na Lapa e resolvi passar aí para ver como você tava... – ela deu um trago no cigarro, me observando com aqueles seus olhos castanhos.
_Ah, tô aí. Não sei, trabalhando... – ri – Puta sono.
_Cês voltaram muito tarde ontem?
_Mais ou menos.
 
Na verdade, não.
 
_Hum. E tudo bem com você e o Fê? Ele pareceu irritado no telefone hoje, mais cedo... Mas não quis me falar direito.
_Tá. A gente... a g-gente acabou discutindo ontem e aí hoje de manhã, sei lá, o clima tava uma merda – respondi, roubando o cigarro da sua mão – Mas é o Fer, né. Daqui a pouco passa.
_Hum. O que aconteceu?
 
Ah, nada, Mia, ele só deu em cima de uma ex no aniversário e eu dei chilique, fiz ele ir embora, tava completamente bêbada, chamei uma mina lá em casa, comi ela a noite toda, pensei em você, a gente brigou e hoje de manhã o Fer torrou minha paciência porque não aprova a forma como eu levo minha vida, enquanto tudo o que eu queria era estar com a namorada dele, digo, você, no caso. Refleti antes de responder à pergunta – e é, era melhor eu mentir.
 
_Ah, uma besteira aí, nem esquenta... – traguei o cigarro e devolvi para ela – A gente bebeu um pouco além da conta, sabe como é...
_Hum... – se desapontou com a escassez de informações – Entendi.
_Mas cê veio aqui só por isso?
_Não. Na real, vim te fazer um convite. Se cê tiver livre hoje...
_Ahm... – sorri na mesma hora – Que tipo de convite?
_É que vai rolar uma noite com as meninas lá em casa e, sei lá, eu achei que talvez você ia curtir.
_“Uma noite com as meninas”?
 
Comecei a rir, tentando bloquear todos os trocadilhos lésbicos sujos da minha cabeça – sem muito sucesso.
 
_Para de rir! – a Mia me deu um tapa no braço.
_D-desculpa – abaixei a cabeça, ainda achando graça – Parece legal, me conta mais...
_Ah, basicamente as minhas amigas vão dormir lá em casa e a gente vai tomar umas, ver TV. Cê gosta de luta?
_Luta?
_É, tipo UFC – continuou, dada a minha cara de surpresa – Sabe?
_S-sei...
 
Murmurei, confusa.
 
_Então, a gente costuma ver às vezes, quando dá para juntar todo mundo e...
_Espera – ri – Cê tá falando sério?
_Não faz essa cara! É divertido, juro! – garantiu e eu levantei as sobrancelhas, incrédula – A gente enche a cara e fica bem louca enquanto um monte de homem se bate na TV. Você vai gostar!
_Que eu vou gostar, eu sei. Já as suas amigas...
_Mano! – segurou o riso, ofendida – Você acha que eu ando com quem?!
_Ah, sei lá, você fica saindo com essas patricinhas aí do Mackenzie...
_Olha, pra sua informação... – retrucou, num tom indignado – Nem toda mina que faz Mackenzie é uma fresca do caralho.
_Não. Imagina... – provoquei – Que é isso!
_Idiota.
_Tá, até pode ser, mas também não é como se eu te imaginasse como fã de... tipo, MMA.
_Olha, você se surpreenderia... – fez graça – ...eu sei pegar bem pesado.
 
Não me fala essas coisas, mulher.
 
_Ok – eu ri – Tô dentro.

fevereiro 09, 2010

Produtividade zero

Nem duas da tarde e eu já tava exausta. Meu chefe enlouquecia numa sessão interminável de fotos e eu era constantemente despertada, aos berros, do meu estado semivegetativo. Preciso dormir, suspirei, já quase fechando os olhos de novo, urgentemente. E pela milésima vez só naquela última hora, avisei que precisava ir ao banheiro. A minha necessidade real por litros e litros de água devido à ressaca até que encobria bem os minutos que eu passava sentada no chão do banheiro cochilando. Logo, no entanto, eu precisaria de outra desculpa para fugir do batente. Não aguento mais. O dia não acaba, mano. Em retrospectiva, passar a noite acordada no último dia da semana não foi minha ideia mais brilhante. Tranquei a porta do banheiro mais uma vez e me sentei no piso frio, encostando o corpo contra a parede. Senti a minha cabeça rodar.
 
(...)
 
Merda.
 
Acordei assustada. Olhei no celular e já haviam se passado dezoito minutos. “Merda! Merda! Merda!”, xinguei em voz alta. E saí do banheiro rapidamente, forçando uma cara de doente, tentando dar a entender a todos que eu estava realmente passando mal – não apenas colhendo os frutos dos meus equívocos noturnos.
 
Voltando dei de cara com a secretária do meu chefe, uma garota miúda e irritantemente bem-humorada. Por algum motivo, ela me observava fixamente, como se me esperasse. Lá vem a bronca, logo pensei, devem achar que eu tô indo cheirar a cada dez minutos no banheiro.
 
_Tem uma garota esperando você, lá na frente.
 
Disse calmamente, como se fosse cotidiano.
 
_Eu?! – arregalei os olhos, surpresa.

O atraso

Na manhã seguinte, veio a ressaca – moral ou não. Abri os olhos e senti minha cabeça doer. A conta de todos os chopps da festa do Marcos chegou com tudo. Olhei para o lado e vi a Roberta deitada na minha cama, o que diabos eu fui fazer?
 
Às vezes, acho, o meu julgamento falha. Especialmente de madrugada. Não sei o que diabos acontece entre as 23h e 6h, parece que tudo ganha uma dimensão maior. Mais dramática. E eu me deixo levar, pelo meu ego, pelo desespero de não ficar sozinha, de matar o tempo, ou a dor, a qualquer custo. Caralho. Levantei da cama para desligar o alarme martelando na minha cabeça. Todas as nossas roupas estavam largadas pelo chão, as minhas e as da Roberta, como testemunhas passivas de uma série de escolhas erradas.
 
Pisei sobre elas e andei até o meu armário, tirando a primeira coisa que achei para ir trabalhar. Só então acordei a Roberta. E ela só faltou pular da cama, em pânico, assim que disse que já eram quase 7. Estava mais atrasada do que eu – dava aula numa escola pra lá da Água Branca. Nos apressamos. Numa passada rápida na cozinha para improvisar um café, nos deparamos com o outro trabalhador daquele apartamento – com um samba canção velho e olheiras imensas da bebedeira. À primeira vista, ainda bravo comigo. Ah é, além de tudo teve isso. As lembranças da noite anterior eram uma pior do que a outra, argh. O Fer olhou para a minha cara e me ignorou, tomando um gole de água apoiado na pia.
 
Mas, então, notou a Roberta entrando atrás de mim.
 
_Nossa! – sorriu, surpreso – Você eu não via fazia tempo aqui!
_Só eu que não, né? – ela o cumprimentou, rindo – Quem andou tomando café com você além de mim, hein?
_Vixi... – ele riu – Isso você esclarece com aquela ali, eu não vou me meter.
_Olha, eu não sei do que vocês estão falando... – dei de ombros – Nunca trago ninguém pra tomar café.
_Cê sabe que sempre foi minha favorita, né, Rô? – o Fer a abraçou de lado e me olhou, satisfeito – Que bom que vocês voltaram, meu!
_Nós não “voltamos” – o corrigi, rabugenta – Nós sequer “fomos”.
_Mais ou menos, não é?
 
A Roberta retrucou.
 
Só faltou me fuzilar com o olhar. Quis dizer que não namoramos, revirei os olhos, não dá para voltar se a gente nunca terminou. Os dois ficaram de gracinha por uns minutos enquanto eu passava café, me chamando de “Coração Gelado” e enchendo o saco. Matando a saudade um do outro, basicamente. Enfiei a cara na dispensa – à procura do cereal e da minha integridade. Mas logo a Roberta lembrou-se do horário e virou o café de qualquer jeito, saindo correndo pela porta. Sequer me deu um beijo. O que, admito, incomodou um pouco o meu coração gelado.
 
_Meu, na boa, você devia namorar com ela.
 
O Fer comentou, assim que ouviu a porta da frente fechar.
 
_Tô de boa, obrigada.
_Por que não?
 
Porque, Fernando, a garota que eu quero é a sua.
 
_Hein? – insistiu, diante do meu silêncio – Por que não?
_Não é da sua conta, mano. Que saco!
_Meu, nem vi ela chegar ontem... Que horas a coitada veio para cá?
_Ah... sei lá, tarde. Meia noite e pouco.
_Mano, olha isso, quinta de madrugada... A garota te adora! – se exaltou – Sério, meu, sabe-se-lá por que motivo ela é completamente idiota por você e você não está nem aí...
_Eu gosto dela, Fer, não é isso... – respondi, colocando uma colherada de cereal na boca – ...só não quero casar com a mina, porra.
_Talvez você devesse, ao invés de ficar aí pulando de galho em galho... – murmurou.
_Que é?! Deu pra dar palpite agora?
 
Me irritei. E ele balançou a cabeça, comendo o restante do café-da-manhã num silêncio pouco amistoso. Isso é retaliação, só pode.

fevereiro 06, 2010

Devaneios

Acendi um cigarro e soltei a fumaça lentamente, contemplando enquanto ela se desfazia no ar. Aquilo me dava uma certa paz. O sexo, digo. E não porque era com a Roberta – poderia ser com qualquer pessoa. Virei para o lado e olhei para ela por um instante. O seu rosto ainda estava vermelho e o quarto todo estava quente, abafado. Ela sorriu e eu sorri de volta.
 
Voltei a encarar o teto e traguei mais uma vez, segurando a fumaça por um tempo até soltar. E foi quando a Mia apareceu na minha cabeça. Suas mangas enroladas sobre os ombros, o jeito como sorria ao meu lado na varanda. Se algum dia eu te levar para a cama, garota, não vai me trazer paz nenhuma. Só a ideia fazia as minhas pernas se moverem sobre o colchão, se reajeitando. Ia acabar com a minha sanidade, isso sim, tive certeza ali mesmo. E respirei fundo.
 
_Hum. Senti falta disso...
 
A Roberta me abraçou pela barriga, encostando a cabeça no meu ombro. Não respondi, absorta nos meus pensamentos. Dei mais um trago e o meu olhar vagou pelas curvas que o seu corpo formava grudado no meu, encaixando-se com uma facilidade natural. Como alguém pode não gostar disso?, minha cabeça divagou. Não fazia sentido. Minas héteros. Caras gays. Digo, os viados ainda consigo perdoar. Mas como diabos uma mina não se sente atraída por outras mulheres?
 
_Você tá quieta...
 
A Roberta sussurrou, me observando. A fumaça formava círculos no ar e depois sumia.
 
_Tô só brisando... – murmurei de volta, tragando mais uma vez.
_Sobre o quê?
_Sobre gostar de mulher...
 
A Roberta ergueu a cabeça, me encarando.
 
_De mim?
_Não – a resposta saiu da minha boca, desatenta.
_Mano... – ela se irritou – ...cê é tão filha-da-puta às vezes, sabia?! Acho que cê nem percebe, puta merda!
_Calma, meu. Não foi isso que eu... – vi a Rô levantar e começar a vestir a calcinha – Caralho, volta para a cama, Rô. Não é isso!
_Em quem você tava pensando?
_Em ninguém!
_Me responde! – a situação saiu subitamente do controle – Gostar de quem, então?!?
_Mano, para. Peraí, vai... Porra, de ninguém, qual é!
_EU QUERO SABER!
_DE NINGUÉM, MEU!
_Você é inacreditável...
_EU?! O QUE EU FIZ? – subi de novo o tom de voz, também – Tava aqui na minha, pensando em qualquer merda, mas que inferno...
_Bom, você pode ficar “na sua” sozinha.
 
Respondeu já vestindo a blusa de qualquer jeito, como se quisesse sair o quanto antes do meu quarto. Passei as mãos no rosto, sem acreditar que tinha me metido naquela discussão sem pé, nem cabeça em plena madrugada. Entre uma peça de roupa e outra, a Roberta mal olhava na minha cara, furiosa.
 
_Rô... Rôôô... Rô, olha para mim... Roberta!
 
Mas que droga. Por que eu fui abrir a boca?
 
_Rô, me escuta, eu não quis dizer isso. Eu não tava pensando em ninguém! Mano, eu tava só... Sei lá! – comecei a me explicar, sem acreditar naquilo – T-tava, tava pensando em gostar de mulher no geral. Foi o jeito de falar! Caralho, não fiz nada... Cê vai mesmo fazer essa ceninha toda, porra, às 3 da manhã?
_CENINHA?!
 
Ela arregalou os olhos, ofendida. Merda.
 
_Rô, desculpa. Me escuta...
_Não. Não vou escutar. Não vou, tem sempre alguém. Sempre! Eu não sei por que DIABOS eu continuo saindo com você! Porque tem sempre alguma garota, outra babaca melhor para você pensar CINCO MINUTOS DEPOIS DE ME COMER! PORRA! QUAL É SEU PROBLEMA?
_NÃO FOI ISSO QUE ACONTECEU!
_Olha, quer saber? Que se dane. Sinceramente eu tenho pena de quem quer que seja, porque se relacionar com você é impossível! Eu cansei dessa merda.
_Roberta... – me levantei, abraçando-a quase à força – ...para, meu, não faz isso.
_Eu não devia ter vindo – balançou a cabeça, com os olhos marejados – Eu sou uma IDIOTA!
_Não! Claro que não. Para com isso. Porra, linda... Não tem nada a ver! Eu juro, eu não estava pensando em ninguém.
_Como você pode falar isso pra mim, mano? Depois de me chamar aqui?! Que não sou eu?!?
_Eu me expressei mal, e-eu não sei por que falei daquele jeito. Me desculpa. Não era isso! É sério. Eu não quis dizer que tava pensando em outra pessoa. Eu s-só... meu, dois segundos antes eu tava lá, olhando pra você sem roupa, o corpo no meu, e comecei a brisar sobre, s-sobre como é bom estar com mulher, gostar de mulher. Ser sapatão, sei lá! Pensei que é bizarro que existam minas héteros. Não sei. EU NÃO TAVA PENSANDO NADA COM NADA! Me desculpa. Fiz merda, Rô. Por favor, me perdoa.
 
Faço tudo errado, mas que droga, a abraçava sem desviar dos seus olhos, arrependida. A Roberta suspirou – a verdade é que uma única resposta minha vinha carregada de tantas outras. Apoiou a cabeça no meu colo, com os braços em volta de mim.
 
E o quarto ficou em silêncio de novo.