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fevereiro 26, 2010

Amigo de peixe, peixinho é?!

O ônibus de volta para Jardins estava vazio. Ou quase. Um playboy babaca falava irritantemente no celular, em alto e bom som, bem ao lado do pobre cobrador. Que "maravilha", pensei sarcasticamente, ao passar pela catraca. Sentei o mais longe que pude, no fundo, e apoiei os pés no banco da frente.
 
Olhei para o lado e um velhinho me encarava, como se desaprovasse o meu descaso com os meios de transporte público. Algum problema?, o encarei de volta. Então ele levantou as sobrancelhas, impaciente, e indicou o moleque rapidamente com os olhos. Comecei a rir e concordei com a cabeça. Sem dizer nada. Velhinho simpático, pensei. E coloquei os meus fones de ouvido. Deitei a cabeça para trás, numa tentativa inútil de descansar o que não havia descansado naquela noite.
 
Fracasso total.
 
A Mia continuava na minha cabeça. Não conseguia tirar ela de lá. Ficava revivendo cada segundo da noite anterior – mas algo me incomodava. Me sentia irritada. Talvez porque não havia dormido nem meia horinha ou quem sabe por causa da Michelle, que resolveu passar o sábado com a minha – minha? – garota. Fui praticamente enxotada do apartamento da Mia quando a infeliz resolveu arrastar ela para a sua casa e não me convidou. Inconveniente. Agora eu voltava, com sono e desacompanhada, para o meu apê na Frei Caneca.
 
Puta merda! Do nada, o ônibus passou por um buraco e eu bati a nuca violentamente no banco. Sentei reto e decidi não tentar mais dormir, a fim de preservar a minha integridade física. Sabe como é. Argh. Que vontade de estar com a Mia agora, lamentei. O problema era que, de repente, a noite anterior já não parecia mais a maravilha que realmente foi. Talvez fosse a ressaca ou o meu azedume matinal, resultado direto da amiga empata-foda e do playboy que coexistia escandalosamente comigo no ônibus, não sei. Mas algo revirava o meu estômago.
 
É. À luz do dia, a imagem da Mia se misturava com a do Fernando.
 
E eu me sentia um lixo. A pior amiga do universo. Não tinha desculpa para aquela filha da putice monstra, não desta vez – eu tinha agido com total consciência e falta de escrúpulos. Essa foi pra valer, pensei. E me incomodei comigo mesma, sentada no banco do ônibus, sem conseguir lidar bem com o que tinha feito. Após inúmeros esforços e investidas frustradas, eu finalmente tinha pegado a namorada do meu melhor amigo. Que merda eu fui fazer?, balancei a cabeça, tentando fugir da responsabilidade.
 
Desci na Av. Paulista e caminhei pela minha rua, sentindo o peso de cada tonelada da minha consciência. Os meus passos pareciam afundar o chão, de tão nervosa que eu estava. Acendi um cigarro e, antes que o acabasse, já tinha chegado na porta do prédio. Respirei fundo. Joguei o cigarro ainda aceso na sarjeta e entrei. Não estava pronta para encarar o meu melhor amigo. Droga. No elevador, tudo o que eu conseguia pensar era na cara do Fernando e na porra do orgasmo da Mia. A culpa era minha – em todos os sentidos.
 
Parei na frente do nosso apartamento e ouvi algum som qualquer ao fundo. Isso é Sepultura?, estranhei. A música me indicava que o Fernando estava em casa. Bosta. O que diabos eu vou falar? Passei a mão no rosto, ansiosa. O problema não era mentir. Eu sabia mentir, podia mentir facilmente para qualquer garota, pai, mãe, chefe ou segurança inconveniente de balada. Mas para o Fernando, não. E menos ainda nessas circunstâncias – eu não ia conseguir viver comigo mesma.
 
Abri a porta. Sentia todas as minhas entranhas se contorcerem, angustiada. O som do rádio dominava a sala inteira, num volume inacreditável. É, é Sepultura. Não vi ninguém ali, então gritei qualquer coisa à procura de quem quer que estava ouvindo àquela barulheira dos infernos, para que desligasse. E o Fer logo apareceu do corredor. Estava só de jeans, exibindo as tatuagens, e com uma cara de quem havia acabado de acordar. Ou de trepar. Os seus olhos pareciam estranhamente surpresos em me ver ali. E foi quando vi, atrás dele, a Júlia – a tal ex hipsterzinha de merda.
 
Ahh, cachorro.

fevereiro 25, 2010

4:20

Aquele telefone demorou uma eternidade para tocar – mas uma hora, tocou. Aleluia. A Michelle saiu do canto do pátio onde havíamos esquematizado uma rodinha não muito discreta e foi atender o celular mais adiante. Eu estava sentada numa mureta perto do parquinho, com as mãos apoiadas na borda, e a Mia estava ao meu lado, distraída, encarando os próprios pés suspensos no ar. Observei a amiga indo em direção ao estacionamento e se afastando de nós.
 
Quando estávamos sozinhas, a Mia me olhou e sorrimos uma para a outra. Então abaixou de novo a cabeça e tragou demoradamente.
 
_Como eu faço... – soltou a fumaça e me olhou, passando o baseado – ...pra fazer o que cê fez?
_Como assim?
_Ah, cê sabe... e-eu queria... – ela se constrangeu, rindo, e eu olhei para ela – ...fazer o que você fez ontem... c-comigo... – explicou desarticuladamente – ...quer dizer, eu sei o que você fez e como cê fez, em teoria, mas... e-eu, sei lá. N-não sei se saberia fazer de volta...
_...hum, e queria?
 
Achei graça, tragando e segurando a fumaça, enquanto a encarava de volta.
 
_Ah, sim, né...
_Fazer? Em mim?
_É, sua tonta! – ela balançou a cabeça, envergonhada – Você entendeu...
_Ok – eu ri – Eu te mostro...
_Você tá tirando com a minha cara, não tá?
_Não – passei de novo para ela, sorrindo – É que cê tá uma graça aí, toda girininha...
_“Girininha”?
_É o estágio antes da sapa.
_Vai se foder! – ela sacudiu a cabeça, rindo.
_Ah. A gente chega lá, gata...
 
Nós duas rimos. A Michelle continuava longe, falando no celular, e o vento começava a arrepiar nossas pernas. Era uma manhã cinzenta e tipicamente paulistana. Nem frio, nem calor. Bom, na verdade, um pouco frio. Havíamos descido as duas de pijamas, com os camisetões e sem as calças – é claro. Então estávamos um tanto quanto, digamos, indecentes desprovidas de roupa. O que não é uma boa quando se está cometendo uma atividade ilegal a pleno céu aberto e do lado da única área infantil do prédio: chama muita atenção.
 
Até então, no entanto, salvos alguns olhares de desaprovação duns vizinhos antipáticos de meia-idade, ainda não tínhamos sido perturbadas.
 
_Ontem foi tão...
 
A Mia retomou, encarando o chão, e sorriu. Sem terminar a frase.
 
_Tão...?
_Num sei. Incrível – ela fechou os olhos, já levemente chapada, e tragou mais uma vez antes de me olhar de volta – Num foi?
_Pra caralho.
_Meu – ela riu – Eu devo ter sido a pior trepada da sua vida!
_Ontem... – a encarei, achando graça – ...não foi uma trepada, Mia.
_Não?
_Claro que não!
_Como “claro que não”? E o que mais vocês fazem, então?
_Mano... – eu comecei a rir muito.
 
Você ainda descobre, garota.

fevereiro 24, 2010

As velas

O sol se levantou e eu não havia sequer fechado os olhos. Continuava deitada ali, ocupando obsessivamente meus pensamentos com o que tinha rolado no sofá. Foi mesmo real? Parte de mim mal podia acreditar. De todas as meninas, a Mia era a única que continuava dormindo naquela manhã. Fiquei esperando ela acordar. Ansiosamente. Como se precisasse de algum sinal de que não fora um sonho ou apenas imaginação – algum delírio bêbado de madrugada.
 
Depois de inúmeros resmungos e uns bocejos preguiçosos, as outras garotas finalmente se levantaram. E antes de saírem para a sala, tentaram acordar a Mia – já eu fiquei no quarto, com saudade de estar sozinha com ela. Apoiei os meus braços no seu colchão e encostei a cabeça de lado. Sonolenta, a Mia enrolava para abrir de vez os olhos e eu a observava. Tinha os cabelos castanhos caídos sobre as bochechas e o nariz. E uma das mãos no rosto. A Mia tinha três pontinhos pequenos tatuados em um de seus dedos, entre o do meio e o indicador. Ah, garota, suspirei, eu gosto demais de você.
 
Lentamente, ela foi se despertando e eu sorri na sua direção.
 
_Oi... – ela sussurrou, ainda sonolenta.
_E aí, bonita... – eu cochichei de volta e ela sorriu, afundando o rosto no travesseiro.
 
Sem a bebida e a loucura da madrugada, contudo, algo me incomodava por dentro. O que diabos eu vou dizer para o Fer, senti o meu peito doer, angustiada. Foi quando a tal da Laura nos interrompeu, entrando no quarto novamente para ver se a Mia já havia levantado. Ela e a Michelle estavam com fome, disse. Empata-foda. Saí de lá, deixando as duas, e fui até o banheiro lavar o rosto. Parte de mim já estava emburrada, sem esperanças de ter mais um segundo sozinha com a Mia. Me olhei no espelho, com o cabelo amassado e a raiz por fazer debaixo daquele descolorido punk rock, e tive a certeza de que a ausência de horas dormidas naquela noite não poderia ser disfarçada – estava estampada na minha cara com duas olheiras enormes.
 
Meu deus. Quem come croissants de café-da-manhã?, me surpreendi, instantes depois, entrando na cozinha e encarando a cesta de pães em cima da mesa. Aquilo parecia cena de novela. Na verdade, a casa inteira da Mia parecia ter saído do horário nobre da Globo. Desviei o meu olhar dos pães e dos talheres bonitos e notei que, do outro lado da mesa, a Mia me olhava. Meu coração disparou na mesma hora. Me esforcei para conter um sorriso – e não revelar às outras o nosso pequeno e fantástico delito daquela noite.
 
Puta merda, como eu queria terminar o que começamos, garota.
 
Logo após o café, descemos para parte de trás do pátio do prédio para fumar um e a Laura resolveu ir embora. A tal da Gi disse que ia junto. Elas iam para o centro de São Paulo, passando quase do lado do meu apartamento, mas insisti que não precisava de carona. Mentira descarada. Tudo o que eu queria era ficar mais um tempo com a Mia – isto é, antes de ser jogada de volta à realidade. No final, restamos só nós e a outra amiga. Eu não via a hora de me livrar da Michelle, mas a garota parecia obstinada a não ir a lugar algum.
 
A ressaca estava insuportável. Expulsamos umas crianças do parquinho do prédio e ocupamos as balanças que ficavam no pátio. A Michelle sentou no chão para bolar um. E o tempo todo, a Mia dava um jeito de me espiar e eu a olhava de volta, sem falar nada. Nós duas sorríamos.
 
Mas, infelizmente, a porra da amiga continuava lá.

REPORTAGEM ♥

Sapatonas do meu coração, 

O site Dykerama – que, tenho certeza, todos vocês já conhecem – fez uma matéria lindíssima comigo sobre o blog! Gostaria muito que vocês prestigiassem o Fucking Mia lá, lessem a reportagem e comentassem! :') 


E aproveitando, muito obrigada por acompanharem a história e pelos comentários maravilhosos. Obrigada mesmo!  

Quase dia

E quem disse que eu conseguia dormir? A Mia e cada segundo daquela noite não saíam da minha cabeça, meu deus.

Busted!

_O que vocês estão fazendo? – a mãe da Mia perguntou, instantes depois, ao acender a luz da sala – Por que está tudo escuro aqui?!
_Nada, mãe... – a Mia reclamou, numa atuação brilhante de última hora – A gente foi na cozinha só...
_Já está tarde... – ela nos olhou, ambas ofegantes e descabeladas, soando desconfiada – O que aconteceu aqui?
_Como assim?
_Como “como assim”? – se irritou – O que vocês duas estavam fazendo?
_Mãe, mas que droga... Qual é a sua, porra? Não tem nada rolando!
_Não precisa ser grossa na frente da sua amiga, Mia – ela falou, educadamente, e olhou para mim, que sorri amarelo – E vocês não vão dormir, não?
_Vamos, vamos. Já estamos indo...
 
Eu e a Mia dissemos “boa noite” em coro, como duas adolescentes arteiras pegas no flagra. Entramos no corredor, conforme a mãe se dirigia à cozinha, e eu peguei na sua mão. Olhei para a Mia e depois espiei para trás, me assegurando de que já estávamos sozinhas. Assim que chegamos na porta do quarto, eu a coloquei contra a parede e a segurei pela cintura, com uma vontade desgraçada dela.
 
_Cê tá louca?! – ela cochichou, rindo – Minha mãe está acordada!
_Eu tô louca por você, sabia?
_Nossa. Como você é brega...
_Tô nem aí!
 
Eu ri e a beijei rapidamente, com vontade. Assim que nossos lábios se afastaram, ela sorriu e nos apressamos para abrir a porta. Atravessamos o quarto no escuro, tentando não fazer barulho. Antes de subir para a sua cama, a Mia sentou ao meu lado no colchão e ficamos ali por um tempo. De mãos dadas. Apoiei a cabeça no seu ombro e achei graça, lembrando da situação:
 
_Fazia tempo que eu não era flagrada por uma mãe, hein?
_Ai, que vergonha... – ela riu, cochichando – Nem me fala.
_Me sinto com 14 anos de novo, pegando meninas em banheiros, tendo que fugir de pai e mãe, dando uns beijos escondidos...
_Olha, você não tá ajudando a situação – ela riu, constrangida.
_Vem. Vamos dormir, vamos... – disse baixinho e sorri, beijando-a no rosto.

fevereiro 23, 2010

Lei de Murphy

Onde eu parei? Ah, é... No meio das pernas da Mia.
 
Entre aquelas suas coxas. Meu deus. Ela se contorcia no sofá, tentando não fazer barulho. E eu a chupava, com gosto, sentindo-a encharcar a minha boca – e o meio das minhas pernas ao mesmo tempo. Cacete. Num tesão desgraçado. Subi minhas mãos para o seu quadril e a segurei, puxando-a na minha direção. Podia ouvi-la perder o fôlego. E sentia as suas mãos no meu cabelo, apertando-me com força contra seu corpo. Deslizei os dedos para dentro dela, com a boca ainda ali. E a sua respiração foi ficando cada vez mais alta, numa sintonia absurda. Podia sentir ela se segurando, mas as suas pernas começaram a tremer – até que não conseguiu mais se controlar e...
 
P u t a q u e p a r i u.
 
Aquele foi o melhor orgasmo da minha vida – o dela.
 
Mal esperei que recuperasse a respiração e fui subindo pelo seu corpo, nuns beijos compulsivos. Apaixonados. Como se a minha boca denunciasse a fissura pela sua pele. É. Sem conseguir me conter. A Mia, até então, não havia encostado um só dedo em mim. Parecia não saber direito onde colocar as mãos. E eu achava certa graça na sua heterossexualidade. Sentei em cima dela, colocando uma perna de cada lado, e tirei a minha camiseta. Ela desceu o olhar pelo meu corpo – num misto de curiosidade e de tesão nada hétero, ainda ofegante – e eu me inclinei para frente para beijá-la. Quero mais de você, garota. Segurou na minha cintura, com força, na malandragem. Nuns amassos assim que, puta merda. O problema é que aquela droga de camiseta continuava na minha mão e eu precisava me livrar daquilo. Me inclinei de novo para trás, por um instante, e joguei aquele pano inútil para longe.
 
No meio da sala escura. Que idiota.
 
A maldita blusa mal encostou no chão, metros de onde estávamos, quando alguém acendeu a luz do corredor. Merda. Mil vezes merda. Me senti a porra duma iniciante, imediatamente arrependida de ter jogado a camiseta lá. A Mia me olhou desesperada, e eu saí de cima dela em velocidade recorde. Nos atrapalhamos um pouco pela sala, ainda meio bêbadas, embriagadas de cerveja e adrenalina. A Mia procurou aflita por sua calcinha, rindo, e nos trombamos umas duas ou três vezes até conseguirmos nos vestir. Até paramos em pé no meio da sala, descabeladas, recuperando o fôlego. Com as camisetas ao avesso.
 
Tudo em menos de 10 segundos.

Agora agüenta...

"If people were rain,
I was drizzle and she was hurricane"

(Do livro, Looking For Alaska)

fevereiro 22, 2010

Meia-noite

A essa altura, eu já havia perdido os bons modos. E todas sutilezas. Dane-se. Lá estava ela, a mulher que eu mais queria dentre todas as outras mulheres que já passaram pela minha vida. Ela. A Mia. Sentada em cima de mim, as pernas descobertas e a boca falando baixarias no meu ouvido. Acho que nunca senti uma vontade tão..., meu deus. Eu mal conseguia respirar. Assim que a sua boca disse aquelas palavras, a minha língua subiu pelo seu pescoço. Lambendo-a. Até morder a sua boca e beijá-la intensamente. Era como desembrulhar um presente pelo qual você aguardou a vida toda: você não quer tirar fita por fita, remover cuidadosamente o papel e dobrá-lo num canto para reutilizar no próximo pacote – ah, não.
 
Você quer rasgar a porra toda.
 
Eu podia sentir o sal na sua pele, cada nuance no cheiro daquela mulher. Beijava o seu corpo como se nunca tivesse saciado a minha fome em outras garotas. E de fato, não tinha. Só queria ela. O seu gosto me dava mais fome ainda. Fui subindo até o seu rosto e mordi a ponta do seu queixo, encaixando em seguida a minha boca na sua. Numa voracidade de quem quer mais. Cada vez mais – ela me mordia de volta, machucando os meus lábios. Como quem realmente sabia pegar pesado. Filha-da-mãe. As minhas mãos deslizaram pelas suas pernas tatuadas até a sua cintura, levantando a sua blusa. O tecido escorregou por cima da sua cabeça e eu o segurei contra as suas costas, abraçando-a já descoberta. Os nossos beijos intensificaram, nuns exageros bêbados. A Mia me apertava pra junto dela, perdíamos a mão.
 
Sinceramente? Se ela estivesse com mais roupa do que por sorte estava, não teria restado uma inteira no chão. Nem dela, nem minha. Podia sentir a sua respiração oscilar. Dezenas de flores de cerejeira desciam pelas suas costas riscadas. Até a lateral da sua barriga. Enchia as minhas duas mãos com as suas curvas – e num atrevimento indecente, desci uma para o meio das suas pernas. Escorreguei os dedos sobre o tecido molhado da calcinha. Naquele vai e vem. Não conseguia tirar os olhos, a boca e todo o resto de cima dela. E ela me beijava com um tesão gostoso, me apertando com força. Os meus dedos encontravam caminho por dentro da sua calcinha. Num só movimento, virei-a contra o sofá e fiquei por cima. E comecei a descer pelo seu corpo, beijando cada centímetro da sua pele.
 
_V-você não acha que... – ela me interrompeu, de repente.
_Mia, na boa – eu ri – Cala a boca.
 
A sua respiração oscilava ansiosa no peito. E ela me olhava de volta, fixamente. Deixa eu acalmar essa confusão dentro de você, garota. Com todos os seus sentidos à flor da pele – eu sabia o que ela estava sentindo. Já tinha passado por aquilo. É. E queria mostrar como fazer para a tempestade passar. Confia em mim.
 
O seu olhar não desgrudava do meu. Desci entre os seus seios, um beijo atrás do outro, começando tudo de novo. Até a altura do seu umbigo e então mais embaixo. A Mia mordeu a boca, num nervosismo visível, acompanhando cada movimento meu. Coloquei a sua calcinha para o lado e a sua respiração acelerou. Os olhos dela se fecharam. E os meus dedos deslizaram lentamente entre suas pernas. Para dentro dela. Então os subi até a minha boca, molhados, lambendo o seu gosto. Pois é, baixaria. Os olhos da Mia se abriram e me observando atentamente. Sempre gostei de gosto de mulher, mas o dela... não sei explicar. Eu simplesmente não consigo. Puta que pariu.
 
Eu estava no Paraíso – que se dane a blasfêmia. Bem no meio das pernas dela.

Metáforas

Sabe quando você decide o que quer de Natal e ainda é julho? E então, você espera até agosto e aí vem setembro e depois é outubro e só após muito tempo que chega novembro? Pois bem.

Dezembro. Você se acalma. Acha que está quase lá, mas daí vêm aqueles 24 dias lentos de verão que parecem não passar nunca. Dia 01, 02, 03... 14, 15, 16... 21, 22, 23... Chega a porra do dia. A sua mãe coloca os presentes embaixo da árvore e você olha um por um, até achar o seu. Nota que a caixa é exatamente do tamanho do que você tanto desejou. Maravilha, você pensa, por um instante. Mas na verdade, você está sofrendo: sofrendo de uma antecipação cruel. A espera é devastadora.

O resto da família chega aos poucos. Vocês conversam, por horas – e o presente lá. Vocês começam a colocar tudo na mesa, na velocidade de uma tartaruga manca ladeira acima – e o presente lá. Vocês jantam, prato por prato – e o presente lá. Aquela porra não acaba nunca, você já está quase socando a comida estômago adentro para terminar logo – e o presente lá. Vocês saem cheios da mesa, com os estômagos enormes, e o babaca do seu tio resolve reunir todo mundo na cozinha para algumas piadas idiotas – e o presente lá.

Eis que surge o Papai Noel, aquele benfeitor desgraçado filho de uma égua que não para de falar. Pirralho por pirralho, até o fim daquela sacola imensa – e o presente lá. Você não está mais se aguentando, já perdeu toda a paciência, não consegue mais se segurar de ansiedade e a sua mãe tem a pachorra de lhe dizer que os pacotes embaixo da árvore são só para “depois da meia noite”. São dez e meia. Dez e meia. Você perde a cabeça, grita com a sua mãe, diz que vai abrir de qualquer jeito e a família inteira te condena. Droga. Onze horas – e o presente continua lá. Te chamando, te seduzindo, te provocando. Te deixando louco, vai tomar no cu.

Você tenta se distrair. Faz de tudo e espera uma eternidade para olhar novamente no relógio. Onze e meia. Arghhh! Qual é?! Onze e quarenta. Onze e quarenta e cinco. Onze e cinquenta. Onze e cinquenta e cinco. Onze e cinquenta e seis. Onze e cinquenta e sete. Onze e cinquenta e oito. Onze e cinquenta e nove. Onze e cinquenta e nove. Onze e cinquenta e nove. Ainda onze e cinquenta e nove? Onze e cinquenta e nove, onze e cinquenta e nove, onze e cinquenta e nove... Onze e cinquenta e nove. O minuto mais longo da história se prolonga, irritantemente, e quando você olha de novo as horas: são onze e cinquenta e nove, ainda.

Puta que pariu.

fevereiro 19, 2010

De volta ao sofá

_Quão pesado os seus pais dormem?
 
Perguntei, entre um beijo e outro, me agarrando com a Mia no meio da sala.
 
_Bem pesado – ela respondeu, sorrindo maliciosamente, e me puxou pela camiseta – Mas a gente... – emendou, ofegante, antes de outro beijo – ...a gente não pode fazer barulho.
_Olha, vai ser meio difícil...
 
Joguei-a contra o encosto do sofá, ainda de pé na sua frente. E a Mia riu:
 
_Um pouco convencida, não acha?
_Não foi isso que eu quis dizer – revirei os olhos e me dobrei para frente, segurando-a com as duas mãos, o meu joelho apoiado sobre o sofá – Se bem que... – a beijei, em seguida fingindo uma cara de metida – ...veremos, né.
 
Ela riu, indignada, me dando um tapa no braço. Nós sorrimos e eu a beijei de novo. E então ela passou a mão no meu rosto, colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha e me olhando. Puxei-a novamente na minha direção e rolamos pelo sofá, ela ficou em cima de mim. Estávamos só de camiseta, as duas – eu de branco e ela com uma velha do Concrete Sox –, o que facilitava as coisas. As suas pernas e as minhas estavam descobertas e a sua calcinha perigosamente perto das minhas mãos.
 
A Mia colocou uma perna de cada lado do meu corpo, sentando no meu colo. E olhou para mim. Puta que pariu. Ela se abaixou para me beijar e eu empurrei as suas coxas, fazendo com que se encaixasse direito sobre mim. Ela continuou me beijando, entrelaçando os dedos no meu cabelo. Beijei-a com vontade. E subi as minhas mãos pelo seu corpo, por debaixo da camiseta; a segurei pela cintura.
 
_Espera, espera... – a Mia hesitou, tirando minhas mãos dali – E se alguém pegar a gente, meu?
_Ninguém vai pegar a gente... – achei graça – ...vem cá.
 
A Mia me beijou de volta e murmurou: “é sério...”, riu. “Relaxa”. “Não sei se consigo, meu”, cochichou. Recuei até o encosto do sofá, apoiada nos meus cotovelos, e olhei para ela:
 
_Olha, nós somos meninas... – argumentei – E assim, meninas dormem juntas o tempo todo. Eu usei essa desculpa a minha adolescência inteira. É só termos cuidado.
_Mas os meus pais tão logo ali no quarto!
_Esse apartamento é imenso, meu, a gente vai ter tempo. E mesmo que seus pais entrassem aqui... Eles vão achar que a gente tava fazendo qualquer outra coisa, não vão suspeitar de uma amiga que você trouxe para passar a noite.
_Eles vão, sim... – ela riu – ...se a amiga for você.
_Ah, é? E o que isso quer dizer? – eu levantei as sobrancelhas, rindo – Que eu sou sapatão demais para ser só sua amiga?!
_É... – a Mia fez graça, mordendo a ponta da língua – ...mas eu gosto.
_Gosta?
 
Ela curvou o corpo e se aproximou, na pilantragem, cochichando no meu ouvido – “você me tira do sério”, me provocou e as minhas mãos apertaram as suas coxas tatuadas, “eu fico inteira molhada”.
 
Ah, garota. Você não devia ter dito isso.

Encontros e desencontros

Por 20 minutos. Uns 20 minutos, é. Um beijo atrás do outro, no maior silêncio que conseguíamos manter. E com dificuldade – cada vez mais intensas. Aí outros 20. 30. 40. Meu deus, eu perdia a cabeça e sentia os nossos lábios se encostando de novo. Nos perdíamos no escuro e nos encontrávamos, mais uma vez, como se nossas bocas soubessem o caminho uma até a outra. Instintivamente. E repetidas vezes.
 
O meu coração doía com o que os meus lábios não eram capazes de dizer – como eu te amo, garota.
 
Para a Mia, eu provavelmente não passava de uma aventura que ela curtia pelos cantos do meu apartamento com o Fer. Uma brincadeira boba em uma festa de pijama. E eu sei, tá. Mas naquele momento, eu não me importava. Beijava-a com toda vontade que tinha dentro de mim. E nessas, tentava trazê-la para cima do meu corpo – vez atrás de outra –, mas ela relutava. Mais alguns beijos. Fazia um movimento para cima do seu e ela me empurrava de volta para o colchão, rindo. Puxava-a contra mim e tentava virar de novo, mas caía sozinha encostada na cama. Droga. Ela persistia ali, do meu lado. Com a sua boca invariavelmente na minha.
 
_Vem aqui... – eu sussurrava e a beijava de novo, pressionando-a contra o lençol, subindo em cima dela com as mãos na sua cintura, nas suas pernas ou no meio delas, tanto faz.
_As meninas vão ver... – ela ria e me empurrava de volta.
_Elas tão dormindo, Mia... – eu achava graça – ...vem cá.
_Não, não... Não.
 
Cada beijo fazia as minhas coxas se contorcerem. Acho que não passava tanta vontade assim do lado de uma garota desde o ensino médio. Encostei as costas no colchão, respirando fundo, e passei as mãos no rosto. Tentando recuperar o fôlego. Isso vai acabar comigo, suspirei. Aí a mão da Mia tocava a pele entre a minha cueca e a camiseta, deslizando os dedos lentamente, e o meu corpo todo tremia. Caralho. Ela me abraçava pela cintura e voltava a me beijar. Caralho. Caralho. Os nossos beijos ficavam cada vez mais molhados; mas ela me afastava. Toda vez. Puta merda. Para depois encostar a boca no meu pescoço e começar de novo.
 
_Meu, n-não dá. Não dá mais – levantei de repente, numa tentativa esfriar a cabeça – Olha, eu... e-eu vou pra sala. Eu vou dormir lá, tá?
 
A Mia se apoiou na cama, me olhando surpresa. E eu saí, deixando-a no quarto. Cacete, fechei a porta atrás de mim, vou enlouquecer assim. O corredor estava ainda mais escuro e a casa estava morta, vazia. O silêncio dominava todos os cômodos. Deitei no maior sofá da sala e esperei, completamente sozinha. Nada se movia. Pelo amor de deus, eu desejava, só vem. A ansiedade me consumia violentamente. Não me deixa aqui sozinha aqui, garota. As minhas mãos judiavam do meu cabelo rosto corpo todo. Com aquele fogo desgraçado correndo dentro de mim, tentando em vão esfriar os ânimos.
 
A Mia não aparecia e eu estava prestes a me arrepender. Devia ter ficado lá, raciocinei. Do que diabos eu tô reclamando? Eu devia estar de joelhos por essa menina, só por ela estar me beijando assim. E logo toda minha razão momentânea sucumbia à ideia de estar efetivamente de joelhos. Entre as pernas da Mia. Meu deus, eu ri, sozinha. Decidi então que precisava mesmo era de um cigarro. O único problema é que eu havia deixado o meu maço no quarto.
 
Junto com as minhas calças e a vergonha na cara.
 
E eu não queria voltar para pegar. Afinal, se a Mia não ia mesmo vir para a sala, eu não queria encontrar com ela de novo. Vai parecer que eu fui lá fazer uma ceninha, pensei, isso não. Não ia pegar bem. Ela tinha todo direito de não vir e eu não queria que ela se sentisse pressionada. Por outro lado, eu realmente precisava de um cigarro naquele momento. Argh.
 
Após alguns segundos de indecisão, me levantei. Melhor ir agora do que depois. Andei na direção do corredor e, no meio do caminho, do nada, trombei subitamente com a Mia. Literalmente nos trombamos. O meu corpo esbarrou no dela desajeitadamente – não a vi parada ali e nem poderia, estava escuro demais para enxergar qualquer coisa.
 
_O que cê tá fazendo?!? – ela cochichou para mim.
_E-eu ia pegar um cigarro... O que você tá fazendo?!
_Eu... e-eu ia te encontrar – ela disse, relutante, como se tivesse feito algo errado – ...não era p-pra eu te, t-te encontrar?
_Sim – sorri, aliviada – Claro que sim.
 
Ela veio.

fevereiro 18, 2010

No escuro

Ficamos quietas ali, pelo que me pareceu uma eternidade. Todas as luzes apagadas. A Mia tinha arrumado os colchões no chão do seu quarto e o meu estava ao lado da sua cama. Duas garotas foram embora e as outras três capotaram numa rapidez que só era possível depois da quantidade de cerveja que consumimos nas horas anteriores. É. Exageramos. Eu estava igualmente cansada, mas o meu coração não me deixava dormir, acelerado. Restava agora saber se o álcool teria o mesmo efeito na Mia que teve nas amigas. Ou se, como eu, ela também não conseguia fechar a porra dos olhos.
 
Então esperei. Não posso parecer desesperada, pensava, insegura. E continuava ali deitada, olhando para a luz que vinha da janela. Os minutos se prolongavam. E eu estranhava o quão silencioso era o apartamento da Mia. Estava acostumada com o meu quarto na Frei Caneca que, todas as noites, era invadido pelos ruídos ensurdecedores de carros e viaturas e viados e a juventude porralouca que ocupava os bares da Augusta. A calmaria dos bairros residenciais me inquietava. Me sentia como se tivesse 15 anos de novo, deitada no meu quarto, numa rua excessivamente tranquila em Santo Amaro.
 
E foi quando ouvi um barulho.
 
Do nada, como se alguém estivesse se mexendo no escuro, na minha direção. Olhei para cima e não havia nada. Nada dela. A sua cama continuava a mesma, a poucos centímetros acima de onde eu estava deitada. Estática. Só que agora a mão da Mia pendia no ar, ali, sobrando para fora do colchão. Quase em cima de mim. E por um tempo, fiquei observando os seus dedos no escuro. Contemplando a forma como a luz que vinha da rua tocava a sua mão discretamente.
 
O meu coração acelerou. E me senti idiota, como se estivesse na terceira série e quisesse pegar na mão de alguma garota da minha classe. Sabe aquele medo bobo e infantil? Pois é. Parada ali, completamente imobilizada, olhando para a mão dela. A que ponto eu cheguei, suspirei. E logo engoli toda aquela ansiedade irracional – eu consigo fazer isso. Levantei o braço e segurei a sua mão, com carinho.
 
De repente, ouvi a Mia falar baixinho no escuro:
 
_Você tá acordada?
_Tô... – sorri, ainda sem vê-la.
 
Ficamos em silêncio por um instante. Com a sua mão entrelaçada na minha, ali, no breu. Até que tomei coragem e me levantei. Sentei no meu colchão, prestando atenção se alguma das outras garotas se movia, se haviam me ouvido. E sem fazer o mínimo ruído, subi na cama da Mia. Me deitei ao seu lado e os seus olhos me encontraram no escuro. Ela se moveu para perto de mim e apoiou a cabeça no meu ombro, enquanto eu colocava o braço ao seu redor. As nossas mãos se entrelaçaram de novo. Eu a olhava e ela sorria, com o cantinho da boca.
 
_Gostou de hoje? – cochichou, baixo suficiente para que apenas eu escutasse.
_Muito.
_Hum. Talvez você devesse vir mais vezes...
_Todas as que você quiser – respondi, descendo a mão pelo seu rosto.
 
A admirava, nós conversávamos lentamente.
 
_Você... – sussurrou – ...v-você faz eu me sentir estranha.
_Estranha?
_É. Fico nervosa quando tô com você...
_Eu também – confessei.
_Mas é diferente. E-eu... sei lá. Me sinto como uma criança, às vezes, não sei bem o que fazer.
 
Comecei a rir, em silêncio, e ela me perguntou o que era.
 
_É que eu tava pensando isso, nem cinco minutos atrás.
_Você? – ela me olhou de volta, eu conseguia ver apenas alguns de seus traços no escuro – Por quê?
_Porque eu queria segurar a sua mão e não sabia como.
_Mas agora você já tá segurando...
_Agora eu não tô mais nervosa – cochichei.
 
E Tentando não fazer barulho, me aproximei do seu rosto, encostando a pontinha do meu nariz no dela. Fui virando o meu rosto lentamente, como se deslizasse pelo seu. O breu escondia os nossos movimentos. Senti a sua respiração morna sobre a minha pele e fechei os meus olhos, até enfim nos beijarmos.
 
E é. Era mentira – eu estava nervosa pra caralho.

fevereiro 16, 2010

Infalível?

Olhei no relógio da televisão e já eram mais de 2 da manhã. As garotas estavam deitadas ao redor de uma panela de brigadeiro, fofocando sobre uma menina qualquer que eu desconhecia. Observava a conversa de cima do sofá, enquanto fumava. Os meus olhos se direcionavam ininterruptamente à Mia, pensando na nossa conversa de algumas horas antes.
 
“Talvez”.
 
A possibilidade me consumia, já completamente obcecada pela ideia. Àquela altura, estava tarde demais para pegar o metrô ou ônibus e o meu plano era dar um jeito de dormir lá mesmo. Isso tem que dar certo, implorei para a Nossa Senhora do Brejo e as deusas sáficas. De um jeito ou de outro, queria descobrir o que diabos a Mia quis dizer com “talvez”. E a minha estratégia parecia perfeita: esperei que ela ficasse sozinha e fui casualmente conversar, sem as amigas por perto. Ela estava colocando a panela suja de brigadeiro na cozinha e eu me apoiei na pia, usando todo o meu charme cafona.
 
_Cara, eu tô com um problema... – disse, segurando o riso – ...e talvez você possa me ajudar.
_Mas é claro – ela falou prolongadamente, bêbada, quase como se cantasse – O que é?
_Bom, como você sabe, o metrô já fechou...
_É.
_E também não tem ônibus...
_Não.
_E eu não tenho como voltar até a Paulista a pé, né...
_Eita, verdade! Quer que eu veja se alguma das meninas pode te dar carona?
 
Não, Mia. Obviamente que não.
 
_Na verdaaade... E-eu estava pensando se eu não podia, sei lá, sabe... – ela levantou as sobrancelhas e começou a rir, finalmente percebendo minhas intenções – ...dormir aqui, talvez.
_”Talvez”? – ela riu.
_É. Talvez.
_Sei...
_O que cê acha?
_Hum. Você pode, sim... – ela me olhou, contendo um sorriso – ...o problema é que... você não foi a primeira a pedir.
_Como assim?
_Eu e você... – ela puxou a minha camiseta, de leve, se insinuando – ...vamos ter que dividir o quarto com a Laura... e com a Gi... e com a Michelle também.
 
Merda. Não consegui esconder minha decepção, embriagada demais para disfarçar. A Mia se divertiu com a frustração que rapidamente tomou o meu rosto. Saco. Eram raros os momentos em que eu ficava sozinha assim com ela, fora do apartamento, o que tornava aquela ocasião única. Seria a primeira vez que íamos poder dormir tão perto uma da outra – e tão longe do Fernando. E não que eu me orgulhasse das minhas intenções. Mas precisava virar a porra da festa do pijama? Inferno.
 
Por outro lado, talvez fosse o Universo me mandando sinais de que eu não deveria trair o meu amigo assim tão facilmente? Não sei. Tudo parecia conspirar para que a gente não tomasse más decisões. Mas obviamente, contra todo bom senso, como sempre, logo recuperei a confiança:
 
_Não tem problema... – pisquei para a Mia, fazendo graça – ...pra tudo dá-se um jeito.

fevereiro 12, 2010

Catfight!

Ao final das lutas – e de todas as bebidas que conseguimos achar naquele apartamento colossal – nos encontrávamos numa brisa boa, caídas no tapete felpudo do quarto de televisão. O que eu não daria por um baseado agora? Todas as meninas estavam descalças e deitadas, olhando para o teto enquanto a gente conversava, à toa.
 
Foi quando uma das melhores amigas da Mia, a Michelle, comentou qualquer coisa sobre as lutadoras do UFC não terem a mesma grana e visibilidade do que os caras. “É um absurdo, né?”, concluiu e todas concordaram imediatamente. Menos uma delas. E eis que a cidadã, a mais idiota dentre as outras, me resolve argumentar que mulheres não eram capazes de lutar no mesmo nível que os caras e, por isso, a desigualdade era justificada. O meu cérebro quase doeu com o comentário.
 
Deu-se início então a uma gritaria absurda. Todas bêbadas e discordando entre si. Até eu – que não entendo lhufas de UFC – estava opinando aos berros, discutindo no meio das amigas da Mia, que também não se conformava.
 
Com o intuito de provar o seu ponto, a Michelle incitou uma briga desajeitada com uma terceira garota, uma baixinha de cabelo preto cujo nome agora não me recordo. As duas começaram a rolar pelo tapete, nos atropelando, numa demonstração bêbada de violência gratuita. Era meio de brincadeira, claro, mas elas se desequilibravam e acabavam deferindo golpes reais por acidente. E aí se xingavam de verdade.
 
A bagunça obrigou a maioria a levantar do tapete. E eu me encostei mais adiante no chão, ao lado da Mia, apoiando as costas contra o sofá.
 
_Hum – a cutuquei, com os olhos na briga – A gente devia fazer isso qualquer dia, eu e você... – sugeri, sem precisar fazer muito esforço para que soasse como sacanagem – ...que cê acha?
 
A Mia começou a rir. Aquilo estava uma baixaria. Com o canto do olho, reparei que ela me observava e virei o rosto na sua direção. Aí ela sorriu, meio sem jeito, e eu achei graça. Perguntei do que ela estava envergonhada e ela balançou a cabeça, como se fosse besteira – “nada”. “Sei”, eu sorri e voltei a olhar para as garotas, ainda empenhadas em imitar as lutas daquela noite.
 
_Tá achando interessante, então?
_Opa... – me afundei mais no encosto – ...se soubesse que ia rolar brincadeira de lutinha, nem tinha me atrasado.
_Ah! Então, quer dizer que cê veio pelas minhas amigas? 
_Não – retruquei, com uma seriedade bêbada – Eu vim por você, Mia.
 
Ela sorriu, satisfeita. E eu me senti uma tonta apaixonada. Argh. Voltei a assistir a briga das duas amigas. A tal da Michelle conseguiu errar um chute e cair sozinha em cima do tapete – e do próprio braço. Que dor. A outra menina se enroscou com ela no chão e uma terceira entrou no bolo para ajudar. Era mão e perna para todo lado. Mas a Michelle se recusava a desistir.
 
_Hum. Talvez a gente devesse mesmo fazer isso... – a Mia comentou baixinho, então – ...um dia desses.
_Oi? – olhei para ela, na mesma hora – Fazer o quê?! 
_Você sabe... – mordeu a pontinha da língua, flertando de leve – ...se pegar assim, eu e você, pra ver quem ganha... – sorriu – Cê é boa de luta?
_Olha, não sei... – fiz graça – ...mas vou te dizer que já treinei bastante.
_Ah, eu imagino... 
 
Imagina?
 
_Sei – me diverti – Imagina como?
_Como você é tonta... – ela riu e me afastou dela, constrangida – Não desse jeito!
_É. Sou tonta, mas você que tá aí querendo brincar de lutinha comigo... 
_QUE ABSURDO! – me deu um tapa na barriga – Foi você que começou!!
 
Rachei o bico e a Mia revirou os olhos, voltando a olhar para a luta das meninas à nossa frente. Então me afundei ainda mais contra o sofá, deslizando mais para baixo, já quase deitada no chão. E entre as minhas pernas abertas, continuei observando as garotas lutarem desajeitadamente. De tempos em tempos, todavia, os meus olhos voltavam sempre para a Mia.
 
_Se eu te chamar, um dia desses... – tomei coragem e lhe perguntei, baixinho – ...você vai?
_E-eu... – ela hesitou, respirando fundo, sem olhar na minha direção – ...eu não posso, meu.
_E se eu te chamasse hoje?
 
A Mia me encarou por um instante.
 
_Talvez.

fevereiro 10, 2010

Oh, fuck...

She suffocates me,
She suffocates me with suggestion.

(Tricky)

A casa da Mia

Parei em frente a um prédio chique de Higienópolis e me senti imediatamente deslocada. Isso não vai dar certo. Estava usando um jeans surrado e o meu All Star favorito, uma roupa apropriada para passar uma “noite com as meninas” vendo UFC – imaginei. Só que eu nunca tinha ido na casa da Mia. Mal sabia direito onde era, tive que jogar o endereço no Google. Aí descobri, um pouco tarde demais, que ela morava numa fucking mansão. Ou quase isso.
 
E assim, não que fosse difícil morar melhor do que eu e o Fernando, não é? O nosso prédio ficava no meio sujo de uma das principais bocas da cidade. E definitivamente, a minha roupa estava muito mais apropriada para aquilo do que para aquele edifício imenso que claramente tinha apenas um apartamento por andar.
 
Onde fui me meter?
 
Depois de uma certa espera, a mãe da Mia atendeu a porta. Meio perua com um desses lenços caros no pescoço, as unhas feitas. Entrei e ela me apresentou brevemente o apartamento. Brevemente porque aquele lugar devia ter alas inteiras que não deu tempo de me mostrar. Então me levou até o quarto onde estavam as meninas. Eram seis, incluindo a Mia, e todas estavam aos berros com a televisão. Apostando que nem umas loucas, aos gritos, zombando dos caras no ringue e uma à outra. Visivelmente embriagadas – e quando digo “visivelmente” é de tanta latinha de cerveja e baldes de pipoca vazios espalhados pelo chão.
 
Eu estava claramente atrasada pro rolê.
 
As lutas já haviam começado há algum tempo. Sentei ao lado da Mia e me diverti observando as reações empolgadas dela a cada soco ou joelhada. Aquilo era diversão de primeira classe: ver um grupo de mulheres berrando palavrões e enchendo a cara. A verdade é que sempre achei que a Mia destoava das suas amigas – com suas tatuagens e aquele seu jeito porralouca –, mas rapidamente percebi que isso era só porque eu nunca tinha visto as amigas brigando daquele jeito. Que maravilhosas.
 
Eu não sabia bosta nenhuma sobre UFC. Ou qualquer outro esporte – mas estava adorando. A Mia me explicava quem eram os lutadores, conforme eles apareciam. Inicialmente senti um pouco de dificuldade em entender como devia me comportar ali. Digo, perto das amigas dela. Estava acostumada a interagir com a Mia perto do Fer ou nos botecos imundos da Augusta. Não assim. Mas fui me soltando aos poucos e as horas passaram voando.
 
Em um dos intervalos, levantei para buscar mais cerveja na geladeira – o último de quatro engradados – e me perdi pelo apartamento por alguns segundos. A cozinha ficava do outro lado da sala de estar e, em minha defesa, a porta estava posicionada em um lugar que não fazia o menor sentido. Debrucei-me sobre a geladeira e, sem que a tivesse ouvido chegar, a Mia me abraçou por trás. Colocou os braços ao redor do meu pescoço, apoiando-os nos meus ombros.
 
_Precisa de ajuda? – perguntou, soando bêbada e feliz.
 
Respirei fundo. Isso acaba comigo, mano. Todo aquele “contato” com ela. E acho que a Mia sequer se dava conta – mas o meu coração disparava, toda vez, bastava a sua pele encostar na minha. Por mais casual que fosse. O fato é que nós andávamos nos encostando mais nos últimos tempos. Muito mais do que o normal. Ela me abraçava, segurava a minha mão, apoiava a cabeça no meu ombro enquanto víamos TV, essas coisas bem de amiga de colégio. Era como se estivéssemos nos esbarrando por aí, inconscientemente.
 
E com plena consciência do que eu sentia por ela, isso era um problema.
 
Não sabia o que pensar. Sentia que ela tinha desenvolvido algum tipo de afeição por mim –mas não chegava a ser romântico. Menos ainda sexual. Parecia meio adolescente. E por que me chamou aqui, afinal? Sentia que, às vezes, a Mia me equiparava às suas amigas. E aí não entendia, por exemplo, quando ela resolvia entrelaçar secretamente os seus dedos nos meus, por debaixo da almofada para que as outras não percebessem. Todos aqueles sinais ambíguos – indiretos demais, subjetivos demais – pairavam entre nós. E isso me enlouquecia. A dúvida. Os joguinhos. O vai-e-num-vai. Toda aquela discrição, porra. Tudo. Num chove-não-molha o tempo todo, era uma tortura.
 
Mas eu não queria que ela parasse.

Na porta do estúdio

Logo concluí que era a Roberta. Quem mais poderia ser? Ela morava razoavelmente perto e algo me dizia que eu ainda não tinha sofrido todas as consequências dos meus atos da última noite. No entanto, ao sair na frente do estúdio, encontrei a Mia fumando na calçada.
 
Estava linda – desgraçada. A regata branca deixava visível a alça de um sutiã preto e o shorts jeans, curto, mostrava todo o resto. Caralho. Estava usando o seu coturno preto e o cabelo num rabo mal-preso. É mulher demais para mim, puta que pariu. Tudo na Mia parecia me atrair na sua direção, mal conseguia evitar. Ela sorriu ao me ver e eu passei as mãos no rosto, tentando disfarçar a cara de apaixonada. Sorri de volta.
 
_O que cê tá fazendo aqui?
_Vim encontrar meu irmão na Lapa e resolvi passar por aqui para ver como você tava... – ela deu um trago no cigarro, me observando com aqueles olhos castanhos.
_Ah, tô bem. Trabalhando... Puta sono do cão.
_Hum. E tá tudo bem com você e o Fer? Ele pareceu irritado no telefone, mas não me explicou o que era...
_Tá. Sei lá. Nós brigamos ontem e aí hoje de manhã o clima tava uma merda no apê – respondi, roubando o cigarro da sua mão, sem pedir – Mas é o Fer, né. Daqui a pouco passa.
_Vocês brigaram no aniversário ontem? O que aconteceu?
 
Ah, Mia, nada demais. Ele deu em cima de uma ex-namorada e eu armei um chilique, completamente bêbada, chamei uma mina lá em casa, comi ela a noite toda, pensei em você, a gente brigou e hoje de manhã o Fer torrou minha paciência, porque não aprova a forma como eu levo minha vida, enquanto tudo o que eu queria era estar com a namorada dele, você, no caso.
 
Refleti antes de responder à pergunta – e é, era melhor eu mentir.
 
_Ah, uma besteira qualquer, nem esquenta... – traguei o cigarro e devolvi para ela – A gente bebeu um pouco além da conta, sabe como é...
_Hum... – ela pareceu desapontada com a escassez de informações – Entendi.
_Mas você veio aqui só por isso?
_Não. Na real, eu vim te fazer um convite. Isto é, se você tiver livre hoje...
_Ahm... – sorri na mesma hora, achando graça – Que tipo de convite?
_É que vai rolar uma noite com as meninas lá em casa e, sei lá, achei que talvez você podia vir.
_“Uma noite com as meninas”?
 
Comecei a rir, tentando bloquear todos os trocadilhos lésbicos e pensamentos sujos da minha cabeça – sem muito sucesso. A Mia me deu um tapa leve no braço:
 
_Para de rir!
_D-desculpa – passei a mão no rosto, ainda achando graça – Parece legal, sim. Me conta mais...
_Ah, basicamente as minhas amigas vão dormir lá em casa e a gente vai tomar umas, ver TV. Cê gosta de luta?
_“Luta”?
_É, tipo, UFC – ela continuou, dada a minha cara de surpresa – Sabe?
_Sei... – murmurei, confusa.
_Então, a gente costuma ver às lutas mais importantes, quando dá para juntar todo mundo e...
_Espera – eu ri – Cê tá falando sério?
_Não faz essa cara! É divertido, juro! – ela garantiu e eu levantei as sobrancelhas, como se não acreditasse – A gente enche a cara e fica bem louca, enquanto um monte de homem se mata na TV. Você vai gostar!
_Que eu vou gostar, eu sei. Já as suas amigas...
_Mano! – ela riu, ofendida – Você acha que eu só ando com umas tontas, né?
_Ah, sei lá, você fica saindo com essas héteras aí do Mackenzie...
_Olha, pra sua informação – ela retrucou em tom indignado, ainda rindo – Nem todo mundo que faz Mackenzie é um fresco do caralho.
_Imagina... – provoquei – Que é isso!
_Idiota.
_Tá, pode ser, mas também não te imaginava exatamente como fã de... tipo, MMA!
_Olha, você se surpreenderia... – a Mia fez graça – ...eu sei pegar bem pesado!
 
Não me fala essas coisas, mulher. 
 
_Ok – eu ri – Tô dentro.

fevereiro 09, 2010

Produtividade zero

Eram duas da tarde e eu já estava exausta. Passar a noite acordada antes do último dia da semana não era a ideia mais brilhante que já me passou pela cabeça. E enquanto o meu chefe enlouquecia em uma sessão interminável de fotos, eu era constantemente despertada aos berros do meu estado semivegetativo. Preciso dormir, suspirei, já quase fechando os olhos, urgentemente. E pela milésima vez na última hora, avisei que precisava ir ao banheiro.
 
A minha necessidade real por litros e litros de água, devido à ressaca que me atormentou o dia todo, até que encobria bem os minutos que eu passava sentada no chão do banheiro cochilando. No entanto, eu logo ia precisar de outra desculpa para fugir do estúdio. Não aguento mais. Esse dia não acaba, mano. Tranquei a porta do banheiro mais uma vez e me sentei no piso frio, encostando o corpo contra a parede. Senti a minha cabeça rodar.
 
(...)
 
Merda. Acordei assustada. Olhei no celular e já haviam se passado dezoito minutos. “Merda! Merda!”, xinguei em voz alta. Saí do banheiro rapidamente, forçando uma cara de destruída e doente, tentando dar a entender a todos que eu estava realmente passando mal, não apenas sonolenta.
 
Ao voltar, dei de cara com a secretária do meu chefe, uma garota miúda e irritantemente bem-humorada, com ascendência japonesa. Por algum motivo, ela me observava desde que eu tinha entrado na sala, como se me esperasse. Vou levar bronca, logo pensei, derrotada, eles devem achar que eu tô indo a cada dez minutos no banheiro pra cheirar ou algo do tipo.
 
_Tem uma garota esperando você lá na frente...
 
Ela disse calmamente, como se aquilo fosse algo normal e cotidiano. Arregalei os olhos, surpresa:
 
_Eu?!

O atraso

Na manhã seguinte, veio a ressaca. Moral ou não – talvez as duas. Abri os olhos e senti minha cabeça doer. A conta de todos os chopps da festa do Marcos finalmente chegou. E veio com tudo. Merda. Olhei para o lado e vi a Roberta deitada só de calcinha na minha cama. O que diabos eu fui fazer?
 
Às vezes, acho que o meu julgamento falha. Especialmente de madrugada. E especialmente bêbada. Parece que tudo ganha uma dimensão maior e mais dramática. Aí eu me deixo levar por uns desesperos egocêntricos para não ficar sozinha, para matar o tempo, nuns impulsos megalomaníacos e sem escrúpulos. Atropelando os sentimentos de quem quer que esteja no caminho. Caralho.
 
Levantei da cama para desligar o alarme do celular, que martelava na minha cabeça. As nossas roupas estavam largadas pelo chão, como testemunhas das minhas escolhas deploráveis. Andei até o armário e vesti qualquer coisa apropriada para trabalhar. Ou quase. Só depois acordei a Roberta, que continuava adormecida, e ela só faltou pular da cama quando soube que já eram quase 8 da manhã. Estava mais atrasada do que eu.
 
Ao chegarmos na cozinha para tomar café-da-manhã, nos deparamos com o outro trabalhador esforçado daquele apartamento – trajado de samba canção e com olheiras imensas da bebedeira. À primeira vista, ainda emburrado comigo. Ah é, além de tudo ainda teve a nossa briga. As lembranças da noite anterior eram uma pior do que a outra. Assim que entrei na cozinha, o Fer olhou para a minha cara e me ignorou, tomando um gole de água apoiado na pia. Mas então notou a Roberta entrando atrás de mim:
 
_Nossa! – sorriu, surpreso – Você eu não via fazia tempo aqui!
_Só eu que não, né? – ela se aproximou para cumprimentá-lo, rindo – Quem andou tomando café com você além de mim, hein?
_Vixi... – ele riu – Isso você esclarece com aquela ali. Eu não vou me meter.
_Olha, eu não sei do que vocês estão falando... – dei de ombros – Eu nunca trago ninguém pra tomar café aqui.
_Cê sabe que sempre foi minha favorita, né, Rô? – ele a abraçou de lado e me olhou satisfeito – Que bom que vocês voltaram, meu!
_Nós não “voltamos” – respondi, rabugenta – Aliás, nós sequer “fomos”.
_Mais ou menos, não é? – a Roberta retrucou.
 
Só faltou me fuzilar com o olhar. Quis dizer que não namoramos, revirei os olhos, e não dá para voltar se a gente sequer terminou. A ressaca parecia esmagar lentamente a minha cabeça. Os dois ficaram de gracinha por alguns minutos, me chamando de “Coração Gelado” e enchendo o meu saco. Basicamente matando a saudade um do outro. Enfiei a cara na dispensa, à procura do cereal e da minha integridade. Aquilo era uma tortura. Logo, todavia, a Roberta deu-se conta do horário. E saiu correndo pela porta, atrasadíssima. Sem sequer me dar um beijo de despedida – o que, admito, incomodou um pouco o meu coração injustamente apelidado.
 
_Meu, na boa, você devia namorar com ela.
 
O Fer comentou, ao me ver voltando já desacompanhada para a cozinha.
 
_Não, obrigada. Tô bem de boa.
_Por que não?
 
Porque a garota que eu realmente quero é a sua.
 
_Hein? – ele insistiu, diante do meu silêncio – Por que não?
_Não é da sua conta, Fernando, que saco.
_Meu, nem vi ela chegar ontem... Que horas a coitada veio para cá?
_Ah... Era tarde, sei lá. Meia noite e pouco.
_Na boa, olha isso, quinta-feira de madrugada... A garota te adora! – ele se exaltou – Sério, meu, sabe-se-lá por que motivo ela é completamente idiota por você e você não está nem aí...
_Eu gosto dela, Fer, não é isso... – respondi, acendendo um cigarro – ...só não quero casar com ela, porra.
_Talvez você devesse, ao invés de ficar aí pulando de galho em galho... – ele murmurou.
_Que é?! Deu pra dar palpite agora?
 
Ele ficou quieto e balançou a cabeça, como se eu o tivesse irritado. Comemos o restante do café-da-manhã num silêncio nada amistoso e eu saí o quanto antes para trabalhar. Intrometido, me revoltei, aquilo só podia ser retaliação pela noite anterior.

fevereiro 06, 2010

Devaneios

Acendi um cigarro e soltei a fumaça lentamente, contemplando enquanto ela se desfazia no ar. Aquilo me dava uma certa paz. O sexo, digo. Mas não porque era com a Roberta – poderia ser com qualquer pessoa, eu não ligava. Me virei para o lado e olhei para ela por um instante. O seu rosto ainda estava vermelho, o quarto todo estava quente. E abafado. Ela sorriu e eu sorri de volta.
 
Então voltei a encarar o teto e traguei mais uma vez, segurando a fumaça por um tempo até soltar. E foi quando a Mia apareceu na minha cabeça. Com as mangas enroladas sobre os ombros, ao meu lado naquela varanda. Absolutamente perfeita. Se algum dia eu te levar para a cama, garota, não vai me trazer porra de paz nenhuma. Só a ideia da Mia sem roupa ao meu lado fazia as minhas pernas se moverem sobre o colchão, se reajeitando, incomodadas e descobertas. Numa vontade de se enroscarem nas dela. Você ia acabar com a minha sanidade, tive certeza, deitada ali.
 
É. Eu não tinha a menor chance de sobreviver. A Mia ia foder com toda as minhas estruturas. Não seria capaz de ficar tão tranquila como me sentia naquele momento com a Roberta. Não sobraria nada de mim – e eu sabia. Ia me destruir do melhor jeito. Não conseguia sequer cogitar sem que meu estômago fosse tomado por um bilhão de borboletas em fúria. Cacete, imaginei, respirando fundo.
 
_Nós nos divertimos juntas, não? – a Roberta perguntou, ao perceber o sorriso estampado no meu rosto.
_Sempre – respondi, sincera, me virando para olhá-la.
_Hum. Senti falta disso...
 
Ela me abraçou pela barriga, encostando a cabeça no meu ombro. Não respondi nada. Estava absorvida pelos meus pensamentos. Continuei fumando e observei as curvas que formavam o seu corpo, grudado no meu. Como alguém pode não gostar disso? Na minha cabeça, não fazia sentido. Digo, como podem existir mulheres héteros? Não conseguia entender como diabos alguém podia não se sentir atraído por outras minas.
 
_Você tá quieta... – a Roberta sussurrou, me observando.
_Tô brisando aqui... – murmurei de volta, enquanto sonhava acordada.
_No quê?
_Sei lá. Em gostar de mulher.
 
Traguei mais uma vez o cigarro. A fumaça formava círculos no ar e depois sumia. A Roberta ergueu a cabeça, me encarando:
 
_De mim?
_Não – respondi, desatenta.
_Mano... – ela se irritou, de repente – ...você é tão filha-da-puta às vezes, sabia?! Porque acho que você nem percebe. Puta merda!
_Calma aí, meu. Não foi isso que eu... – vi ela levantando e colocando a calcinha, ao lado da cama; a situação saiu subitamente do controle – Caralho, viu. Volta para a cama, Rô. Não é isso!
_Em quem você tava pensando?
_Em ninguém!
_Me responde: em quem você tava pensando?!?
_Mano, só para. Peraí, vai... Porra, em ninguém, qual é!
_EU QUERO SABER A RESPOSTA!
_EM NINGUÉM, MEU!
_Você é inacreditável...
_EU?! O QUE EU FIZ? – subi de novo o tom de voz, indignada – Eu tava aqui na minha, pensando em qualquer merda, mas que inferno...
_Bom, você pode ficar “na sua” sozinha.
 
Ela respondeu, vestindo a blusa, como se quisesse sair logo dali. Passei as mãos no rosto, sem acreditar que tinha me metido naquela discussão sem pé nem cabeça em plena madrugada. A Roberta estava furiosa, mal olhando na minha cara, entre uma peça de roupa e outra.
 
_Rô... Rôôô... Rô, olha para mim... Roberta!
 
Mas que droga. Por que eu fui abrir a boca?
 
_Rô, me escuta: eu não tava pensando em ninguém. Em ninguém. Mano, eu tava só... Sei lá! – comecei a me explicar, sem acreditar que precisava mesmo fazer aquilo – E-estava pensando em gostar de mulher no geral. Foi só o jeito de falar! Caralho, eu não fiz nada... Cê vai mesmo fazer essa ceninha toda, porra, às 3 da manhã?
_CENINHA?! – ela riu, ofendida.
_Rô, desculpa. Me escuta...
_Não. Tem sempre alguém. Sempre. Eu não sei por que diabos eu continuo saindo com você! Porque tem sempre alguma garota, outra babaca melhor para você pensar CINCO MINUTOS DEPOIS DE ME COMER! PORRA! QUAL É SEU PROBLEMA?
_NÃO FOI ISSO QUE ACONTECEU!
_Olha, pensando bem, que se dane. Sinceramente eu tenho pena de quem quer que seja, porque se relacionar com você é impossível! Eu cansei dessa merda.
_Roberta... – eu levantei, abraçando-a quase à força – ...para, meu, não faz isso.
_Eu não devia ter vindo – balançou a cabeça, com os olhos marejados – Eu sou uma IDIOTA!
_Não! Claro que não. Para com isso. Porra, linda... Não tem nada a ver! Eu juro, eu não estava pensando em ninguém.
_Como você pode falar isso pra mim, mano? Depois de me chamar aqui?!
_Eu me expressei mal, e-eu não sei por que eu falei daquele jeito. Desculpa! Não era isso. É sério. Eu não quis dizer que tava pensando em outra pessoa. Meu, dois segundos antes eu tava olhando pra você sem roupa, com o corpo colado no meu, e comecei a brisar sobre como é bom estar com mulher, gostar de mulher, ser sapatão, sei lá! Pensei que é bizarro que existam minas héteros. Não sei. EU NÃO TAVA PENSANDO NADA COM NADA. Foi mal. Mesmo... Fiz merda, Rô. Me perdoa.
 
E a Roberta suspirou. A verdade é que uma única resposta minha vinha carregada de todas as outras vezes que eu tinha sido uma completa idiota. Eu a abraçava sem desviar de seus olhos, sinceramente arrependida. Eu faço tudo errado, mas que droga. Ela apoiou a cabeça no meu colo, com os braços apertados em volta de mim. E o quarto ficou em silêncio de novo.