- »

janeiro 07, 2010

Armário

_Eu quero a do Bowie.
_Não, não. Eu quero ser o Bowie.
_Mas eu sou a convidada, devia escolher a minha camiseta primeiro!
_Claro que não, esse é o meu quarto e isso não é uma democracia. Eu quero o Bowie! Você pode ser o Iggy ou a Blondie.
_Eu?! – riu – Cê que devia ser a Blondie com esse seu cabelo aí, meu bem...
_Bom, “meu bem”, argumente à vontade... – retruquei – O Bowie é meu.
 
Peguei a camiseta da sua mão e vesti correndo, antes que ela pudesse a arrancar do meu corpo. A Clara riu, com aquele seu sorriso que me desmontava, e revirou os olhos para mim. Aí levantou o dedo do meio na minha cara com uma das mãos, enquanto a outra vasculhava a pilha de camisetas. Achando graça. Ela tinha um quê de Ana Tijoux – se a Ana Tijoux fosse quíchua, tatuada e tivesse um undercut sob os longos cabelos pretos.
 
Seus pais eram bolivianos e se mudaram para a capital da Argentina, onde ela nasceu e viveu a maior parte da vida. Eles vieram para o Brasil quando ela tinha 13 anos. E com quase 18, a Clara saiu de casa e pegou carona até o Uruguai, porque se apaixonou por uma mina – uma aventura lésbica adolescente que ela me contou, rindo, afundada na minha cama. Era inquieta. Viveu uns meses no país do Mujica e, quando elas terminaram, em meio ao maior drama sapatão, pegou carona até o Chile para viver com uns amigos. De lá, mochilou continente acima até a Colômbia, fazendo uns bicos aqui e ali. Aí morou uns meses com uma colombiana que conheceu num albergue no Equador, mas logo deu ruim. Tretou com o namorado da garota, foi um barraco. E então subiu num avião, voltando para São Paulo, quase 3 anos depois de ter saído.
Fazia um tempo que andava mais sossegada. Agora tinha 24. Mas dizia que se entediava fácil – já eu não, podia escutar as suas histórias por horas, os seus desassossegos. Sobre como ela ainda queria conhecer a casa da Frida no México e as chapadas do Brasil, fumar um legalizado na Holanda ou assistir um show da Tegan & Sara em Vancouver. Esticou o braço, ainda sem roupa ao meu lado, e puxou mais uma camiseta do meu armário:
 
_Tá, tá... – a Clara resmungou – Então eu quero os Strokes.
_Mano, cê não pode ser mais de uma pessoa!
_Eu não sou mais de uma pessoa, eu sou uma banda... É o conceito, entende?
_Não – balancei a cabeça, a provocando deliberadamente – Não vale.
_Como não vale??
_Você tem que escolher alguém!
_MEU, CÊ É INSUPORTÁVEL! – riu – Ok, me dá a Björk então.
_Você?! – a olhei de cima a baixo – A Björk?!
_Que tem??
_Até meia hora atrás tava aí brigando comigo porque reclamei do calor! – fiz graça – Agora cê quer ser uma esquimó islandesa?! É sério isso?!
_Ah, cala a boca e vamos comer!
 
Eu ri e a Clara me empurrou quarto afora, já de saco cheio, vestindo apenas uma calcinha e a minha camiseta surrada da Björk. Eu era o Bowie – isso! – e nós éramos duas pseudo-rockstars famintas após seis horas de sexo e discussões incansáveis, precisávamos de comida e rápido.

6 comentários:

Lari disse...

foofo!!

jupiter disse...

sou obrigada a comentar, meu post preferido so far... simplesmente me apaixonei pela cena! ficou tudo lindo!

Luciana disse...

Hahahah ri alto. Que fofas!

@livia_skw disse...

Eu não me lembrava que a Clara aparecia tão no início da história.(É, parece que vou acabar comentando em todos os posts, haha).

Adoro esse post, é um dos meus preferidos. E acho que deveria virar uma tirinha, rs)

@livia_skw disse...

"I fuck like a girl."

fernandamvinhal disse...

Meu Deus, como as duas são tão lindas! Hahahaha