Era quase meia-noite quando saí de novo do quarto. A noite estava terrivelmente
abafada e o ar quente pesava sobre meu corpo. Já fazia duas horas desde que a Clara
tinha ido embora. O Fer estava ocupando todo o sofá com a Mia, numa longa
maratona de filmes ruins. Não sentia vontade alguma de me juntar ao casal de
pombinhos, então me limitei a perguntar do corredor se tinham alguma maconha
sobrando. Mas também estavam zerados.
Merda.
Tinha fumado toda a minha com a Clara. E agora, num tédio tremendo, procurava algo para fazer. Qualquer coisa. Sem muita opção, sentei na pia da cozinha com uma garrafa de
Bacardi na mão e me mantive entretida com o movimento da luz refletida no rum. Nesse
nível de tédio, é. Algum tempo depois, nem dez minutos, a Mia passou pela
porta. Sozinha. Olhou rapidamente para a garrafa que eu estava segurando e riu,
meio irônica:
_Nossa, achei que o seu dia tinha sido bom...
_O meu dia foi ótimo – respondi, incomodada com o tom – Por quê?
_Sei lá, cê tá aí com uma garrafa na mão...
_E cê só bebe quando tá mal? É isso?!
_Sozinha, sim.
_Bom, nesse caso... – sugeri – ...toma uma comigo aí.
Como se eu a desafiasse, a Mia se aproximou. Bem mais do que
deveria, considerando que o seu namorado estava logo ali na sala. Tão perto que
os meus joelhos esbarraram no tecido da sua blusa. Bem de leve. O que cê tá
fazendo, garota?, me inquietei com toda a proximidade. E sem dizer nada,
ela pegou a garrafa da minha mão e virou um gole, mantendo os olhos nos meus o
tempo todo. Algo na sua atitude me irritava. Estava acostumada a beber com ela –
normalmente a gente não se largava –, mas desde o dia do Inferno as coisas
estavam diferentes. Abaixou a garrafa, ainda me observando. E eu coloquei a minha
mão por cima da sua, a tomando dela. Levei o gargalo até a boca, virando mais
um gole.
_Cê sempre gostou de minas?
A Mia disse, do nada. E eu quase engasguei.
Como é?, forcei o
rum garganta abaixo e a encarei de volta, pega de surpresa. Ela me fitava
com seriedade, à espera da resposta. Tomei mais um gole antes de
responder – “sempre”.
_Sempre?!
_É. Mas algumas garotas demoram mais para perceber o que realmente
querem...
_“O que realmente querem”? – ela levantou a sobrancelha e debochou,
repetindo tudo o que eu dizia.
_É – ergui o queixo, com certa arrogância – O que realmente
querem.
_Hum. E o que você quer?
Podia sentir o som quase escapar da minha boca: você.
O meu coração parecia prestes a sair do meu peito. Isso tá mesmo acontecendo? A Mia se movia com certa insolência e eu sabia
que precisava tomar cuidado. Não posso falar
a verdade, respirei fundo. E então não disse nada – não sabia o
que responder além do óbvio. No outro cômodo, o filme seguia rolando. Não sabia
o quanto o Fernando conseguia ouvir da nossa conversa. Fiquei tentada a lhe
devolver a pergunta, por um instante, mas me contive. Bebi mais um pouco. E o
silêncio se estendeu.
_O que exatamente você não entendeu? – a questionei, por fim.
_Como assim?
_Achei que cê já sabia que eu gostava de mina – falei, meio ofendida,
e ela confirmou com a cabeça – Então... que parte cê não entendeu?
_A-acho que só... não faz sentido para mim... – respondeu, soando genuinamente
confusa – ...n-não consigo entender o que cê acha de, d-de tão interessante em
garotas.
_Nossa... – eu ri – ...você realmente não consegue pensar em nada?
Contive o meu riso e bebi mais um gole, descendo o olhar por cada centímetro
dela, cada curva que eu já tinha memorizado tão bem, da curvinha que a sua pele
fazia ao redor da boca quando ela sorria ao jeito que suas coxas se encostavam.
Ali, na minha frente. Numa vontade de puxá-la na minha direção. Então
coloquei o rum de lado, me apoiando na pia – com as mãos ao lado das pernas. Quer
mesmo saber, garota?
_Eu gosto de mulheres... – disse – ...pelo simples fato de serem
mulheres.
_Hum... – murmurou, os seus olhos desviaram dos meus – ...e v-você
gosta dessa Clara, não é?
_Gosto.
Agora me
pergunta de quem mais eu gosto.
_Por quê?
_Bom... – comecei a rir, de novo – ...porque a gente se dá bem, ela
é interessante, o sexo é ótimo... sei lá, Mia, o de sempre.
_“O de sempre”?
_É, ué... Eu só saí com ela duas vezes, não é como se já tivesse
encontrado razões suficientes para amar a menina... – achei graça e ela pareceu
se irritar com a minha atitude – Por quê? Você não gosta dela?
_Não, n-não é isso. É só que... – argumentou, com certo desdém –
...sei lá, você nem sabe quem ela é. Quer dizer, v-vocês acabaram de se
conhecer, mas mesmo assim cê já parece que tá toda afim, meu.
Ah pronto, virou moralista agora.
_E eu tô afim mesmo – emendei, já levemente alterada – Só não sei
por que você tá achando ruim.
_Não disse isso!
_Não?! Não sei, ué, cê tá aí com essa cara, meu...
_Já falei que não é isso. Só n-não, não entendo como você...
conhece alguém na balada num dia e, e no outro já tá gostando assim!
_É o que toda sapatão faz...
Brinquei, mas ela não entendeu a piada.
_O que isso quer dizer?
_Nada. Olha... – puxei um cigarro do meu maço, perdendo um pouco a
paciência com aquela conversa –...é só uma garota, Mia.
_Eu sei, caralho, não acho ruim! – se atrapalhou um pouco, agitada
– É, é só que c-cê passou o dia inteiro com ela e, e...
_...e não com você? – a interrompi.
Bosta. A Mia ficou quieta na mesma hora. E eu me
arrependi do comentário assim que o fiz. Desconfortável, ela abaixou a cabeça e
nenhuma de nós fez nada. Nada. Por segundos insuportáveis. Até que o Fer a chamou
da sala, argh. Então ela se virou, como se nossa conversa já tivesse terminado,
e foi em direção à porta. Pulei em pé no chão, com o cigarro na boca, e deixei a
garrafa na pia. A Mia se virou e me olhou mais uma vez, forçando um sorriso,
sem intenção alguma de parecer sincera.
_Bom... cê certamente parece feliz – comentou.
_Você ficaria surpresa, gata.
Ela ergueu as sobrancelhas, com indiferença, e eu a olhei sair.
Droga.
2 comentários:
catfight! huahsuahsuua
isso ta demais demais!! cada vez melhor! posta logoo o resto meww
bjss
"Eu não presto" Ainda bem que assume, hsuhaushaushauhusa =)
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