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janeiro 05, 2010

The way the devil works

Há dez meses – foi quando nos conhecemos. Eu estava saindo do trampo na Vila Madalena, onde atualmente sou explorada por um fotógrafo sem talento algum, quando liguei para ver onde o Fer estava e ele sugeriu que eu passasse no Starbucks da Alameda Santos para conhecer a garota com quem ele andava saindo. Estavam fazendo hora antes de irem para um rolê de ska no Centro, onde o meu amigo ia discotecar com os seus vinis.
 
_Claro – eu respondi, acendendo um cigarro a caminho do metrô.
 
Que erro.
 
Peguei a linha Verde desavisada, completamente despreparada para o caos que estava por vir na minha vida. Assim que cheguei, avistei ele de longe – estava sentado numa das poltronas do Starbucks, ao lado de uma garota de cabelo castanho. Quase preto. Uau. Lembro de vê-la sentada com as pernas sobre a poltrona, meio afundada no encosto e largada, com um jeito todo punk, cheia das tatuagens. Não era nada como as minas magrinhas com quem ele costumava sair, era totalmente fora dos padrões. E gata, como era gata, puta merda – fui com a cara dela na mesma hora. O Fer nos apresentou, empolgado, tagarelando qualquer coisa na tentativa de impressioná-la enquanto eu fingia ouvir, ignorando cada palavra que saía da sua boca. Sem tirar os olhos da Mia.
 
E . Não me entendam mal: eu nunca pretendi me apaixonar. Nem por ela – aliás, muito menos por ela – e nem por ninguém. Só a ideia de trair os meus anos de amizade com o Fer já me embrulhava o estômago. Argh. Também nunca fui de me interessar muito por garotas héteros. Eu gosto mesmo é de sapatão. De mina que tem tesão em mulher e que sabe o que quer. Mas a Mia tinha alguma coisa diferente, não sei. Me senti atraída por ela desde o instante em que a conheci e o sentimento só piorou com o tempo.
 
Em que diabos estou me metendo?
 
A partir daquele dia, passei a encontrá-la o tempo todo. Sempre com o Fer. Eles eram um casal bonito – e um tanto porralouca. Meu amigo foi um daqueles adolescentes magrelos, desajeitados e meio excluídos, que não fazia muito sucesso com as patricinhas racistas da escola. Filho de pai indígena e mãe negra; a família era do Pará, como a minha. Passava a maior parte do tempo comigo, andando de skate e indo em show punk no ABC. Só que aí cresceu, se encheu de tatuagem e ficou com cara de malandro – e de repente, todas as minas queriam ficar com ele. Já a Mia, nossa, ela deve ter sido sempre linda.
 
Nós tínhamos o mesmo tipo de humor, os mesmos interesses. E a nossa lista de favoritos era assustadoramente idêntica – de Bikini Kill a Patti Smith. A mina era foda. Tudo o que ela fazia me dava vontade de estar do seu lado. E eu gostava de cada segundo. Gostava de como ela me xingava depois de cada piada ruim que saía da minha boca, de como nos tratávamos com a intimidade de quem se conhece há anos, de como ela virava na minha direção e cochichava “o homem da casa está falando” num deboche misândrico, sempre que discordava de algo que o Fer estava dizendo.
 
Eu era obcecada por ela. Pelo seu sorriso, por como nós ríamos até a barriga doer. E acima de tudo, por quando sentávamos os três juntos na sala para ver filmes de terror e o Fer arregava já logo no começo e ia pro quarto. Aí eu deitava no seu colo e as mãos dela me faziam uns cafunés meio à toa. Cacete. Numa tortura que eu não queria que acabasse. A Mia frequentava o nosso apartamento quase diariamente, a ponto de começarmos a brincar que ela devia dividir o aluguel com a gente. As nossas conversas duravam horas e horas. E eu tinha vontade de beijá-la cada vez que ficávamos sozinhas ou incrivelmente bêbadas – mas nunca fiz nada. Nunca nem insinuei.
 
Isto é, até o último sábado.
 
Meses depois de nos conhecermos, quando se tornou realmente insuportável, liguei para um dos meus melhores amigos e admiti. Eram 3 da manhã. Tive que descer para a rua com o celular – assim o Fer não ouviria nada – e estava um frio desgraçado. A Mia tinha passado o dia inteiro lá, andando só de camiseta pela casa e sendo maravilhosa em cada maldito passo que dava. Desgraçada. Como eu odiava aquilo, meu deus. Lá pelas 7 da noite, o Fer foi até a Roosevelt, onde um amigo estava comemorando o aniversário, e a Mia não quis ir. Era pra ser só uma passada, mas ele demorou e acabamos ficando a noite inteira juntas.
 
Nunca ri tanto. Fumando um, engolidas pelo sofá. Estávamos tendo a conversa mais idiota sobre os patos no Ibirapuera – inventando toda uma novela mexicana de como as aves foram parar lá – quando o Fer finalmente voltou. Já era quase meia noite. Lembro de estar totalmente chapada e ficar olhando a Mia se levantar e ir até a porta para o beijar. Ele. A boca dele. Me senti desconfortável, foi estranho. Como se o meu estômago se contorcesse – ou era o meu coração que apertava?
 
Não, para. Só para. Não queria me sentir assim. Já tinha visto eles juntos um milhão de vezes, mas por algum motivo naquele momento não consegui desviar o olhar. Senti a minha respiração pesar, incomodada. E era tão besta – a Mia colocou os braços nos ombros dele e eles se abraçaram, num beijo rápido. Ela sorriu. Não foi nada demais. Não foi nada.
 
Foi insuportável.
 
Fiquei absolutamente transtornada. O sentimento parecia me consumir por dentro. Me tranquei no meu quarto pelas horas seguintes, inquieta, incapaz de admitir para mim mesma o quanto gostava da porra da Mia. O quanto sentia que aquilo era errado, que era eu quem ela devia estar beijando. Fumei um cigarro atrás do outro, apreensiva, sentindo uma vontade tonta de chorar. E foi quando percebi que não conseguia mais evitar o buraco em que eu havia me enfiado.
 
_E-eu acho que tô apaixonada... – confessei para o Gui, assim que ele atendeu ao telefone – ...eu não sei o que fazer, e-eu...
 
Estava tremendo de frio, sentada na porra da sarjeta da Frei Caneca, e chorando todo o meu coração para fora, tentando não falar alto, com medo de encarar a verdade.
 
_O que aconteceu? Cê tá bem!?!
 
O Gui soava preocupado, assustado pelo horário e pela minha voz do outro lado da linha. Acho que nunca me senti tão insegura, tão sem saída. Me arrependia a cada palavra que saía da minha boca.
 
_E-eu tô apaixonada p... – suspirei – ...p-pela Mia.
 
É. O mal estava feito.

5 comentários:

Lari disse...

meu,que lindo ta isso (L)

Noelly Castro disse...

cada vez melhor..
não da para cansar de ler.. (o que é mtu importante)

;***

lu disse...

E assim se inicia a derrocada do Império Romano...
Analisando friamente, aqui ela deveria ter dito tchau e procurado outro ap! Mas, não tô nem louca de sugerir isso! :)

Gabi disse...

nossa, como tinha pouquinho comentário no começo!
Quem diria q ia crescer tanto...eh, eu tô nostálgica hj.
;*

Monnik disse...

FM Me faz recordar sentimentos..muito GENTE cara.