A Mia se virou para frente, com a cabeça apoiada contra a parede, observando
a rua entre as grades da varanda. E eu a admirei, com o cigarro já quase
terminado na boca. Ficamos em silêncio por um tempo, ela parecia estar
mergulhada em seus pensamentos. Se toda
essa gente não estivesse aqui, garota,
suspirei, juro que te beijava. Traguei uma última vez, soltando a fumaça
para cima, e encarei uma das janelas no prédio da frente – as plantas tinham
tomado conta de todo vão e uma trepadeira agora escalava a parede do edifício.
De repente, senti a sua mão encostar na minha. Entre as nossas
pernas. Como um segredo bem guardado pelas nossas coxas, apoiadas lado-a-lado sobre
os ladrilhos da varanda. O meu coração acelerou. E eu, e-eu respirei fundo.
_O que exatamente você disse? – ela perguntou então, sem me olhar.
_O que eu disse quando?
_Pros seus pais, quando você contou...
_“Pai, mãe, sou sapatão!” – eu ri e aí ela me encarou, como se não acreditasse.
_Tenho certeza que não foi isso...
_Não foi mesmo – balancei a cabeça – Ah, eu namorava uma menina na época e... sei lá, ela vivia indo lá em casa e a gente tinha que ficar se escondendo, dormia sempre de porta trancada, saca? E isso começou a incomodar os meus pais. Começaram a me encher e toda vez era “o que que vocês ficam fazendo no quarto”, “essa sua amiga nunca fala com a gente”, perguntando se a gente tava usando droga, juro, todo tipo de merda – achei graça – E a real é que eu também já tava de saco cheio. Então, um belo dia, eu cheguei e falei: “olha, a verdade é que ela não é minha amiga, a gente namora. E eu não queria ter que fechar a minha porta toda vez que ela vem aqui, mas eu não sabia o que fazer e tava com medo de contar pra vocês”.
_Hum – a Mia pareceu refletir – E o seu pai realmente ficou sem falar com você todo aquele tempo?
_Ficou. Acho que a minha mãe chorou por uma semana. Eu chorei por um mês, ou mais.
_Sério?!
_Ah, mano, eu me sentia uma puta decepção para eles. Foi foda. Eu não tinha a confiança que tenho hoje, ficava envergonhada. Comecei a evitar ir para a casa, fazia qualquer coisa pra não ver eles, ia dormir na minha ex ou no Fer, ficava até tarde na rua, mas toda vez que voltava os dois me olhavam como se eu tivesse partido o coração deles... Foi uma merda por um tempo.
A Mia olhou para baixo, desconfortável.
_Deve ser difícil... Ter que encarar sua família assim.
_Ah... Podia ser pior, sabe? Conheço gente que sofreu muito depois de sair do armário. Cê lembra do Gui, meu amigo?
_O que tava na festa?
_Esse. Meu, o pai batia nele desde pequeno por ser afeminado e, um dia, quando ele era adolescente, pegou ele na rua junto com um cara. Até hoje eles não se falam.
_Sério?
_Sim. E o pior é que todos os irmãos são evangélicos, meu. Então, volta e meia um liga para dizer que o Gui vai matar a mãe de desgosto. Ele não tem ninguém na família. Ninguém. É totalmente sozinho.
_Mano, me dá tanta raiva essas coisas – a Mia esfregou o rosto com as mãos, angustiada – É muito escroto.
_Muito. E ainda tem gente que acha que ser viado é ser fraco. Meu, só o que a gente aguenta de insulto e porrada da vida...
Isso, sua idiota, vai. Enfia a Mia com tudo no armário!
Fechei os olhos brevemente, arrependida. E o silêncio cresceu
entre nós. Exceto por alguns gritos mais altos, o som da zona que os caras estavam
fazendo na sala era barrado pela porta de vidro, nos isolando naquela pequena
varanda. A respiração da Mia parecia pesar no seu peito. Deslizei os dois
últimos dedos da minha mão sobre os dela, com carinho – e ela olhou para as
nossas mãos ali, entrelaçadas sobre o chão. Depois para mim.
_V-você... – falou baixinho – ...a-alguma vez já quis não gostar
de minas?
_Não.
_Nem quando você ainda tava, sei lá, se descobrindo ou...
_Não, meu.
_Nunca?
_Mia, escuta, eu não trocaria meu coração por um hétero nem por um milhão de reais – garanti, segura – Eu amo ser sapatão.
Então, ela tirou a mão debaixo da minha, encarando-a agora sobre
seus joelhos dobrados. O som dos carros passando na rua se misturava com o
silêncio entre nós. Me diz o que você tá pensando, garota, eu a observava
atentamente, sem entender bem o que a estava angustiando. Os seus olhos
ergueram-se brevemente na minha direção e depois tornaram a encarar suas
próprias mãos.
_M-meus pais morreriam – comentou então, num suspiro.
_Não é verdade...
_É sério. Acho que me expulsariam de casa na mesma hora.
_Bom... – fiz graça, quebrando o clima pesado – Também já tá meio na hora de você sair, né? Vinte anos nas costas, meu...
_Cala boca... – ela riu.
_O que eu disse quando?
_Pros seus pais, quando você contou...
_“Pai, mãe, sou sapatão!” – eu ri e aí ela me encarou, como se não acreditasse.
_Tenho certeza que não foi isso...
_Não foi mesmo – balancei a cabeça – Ah, eu namorava uma menina na época e... sei lá, ela vivia indo lá em casa e a gente tinha que ficar se escondendo, dormia sempre de porta trancada, saca? E isso começou a incomodar os meus pais. Começaram a me encher e toda vez era “o que que vocês ficam fazendo no quarto”, “essa sua amiga nunca fala com a gente”, perguntando se a gente tava usando droga, juro, todo tipo de merda – achei graça – E a real é que eu também já tava de saco cheio. Então, um belo dia, eu cheguei e falei: “olha, a verdade é que ela não é minha amiga, a gente namora. E eu não queria ter que fechar a minha porta toda vez que ela vem aqui, mas eu não sabia o que fazer e tava com medo de contar pra vocês”.
_Hum – a Mia pareceu refletir – E o seu pai realmente ficou sem falar com você todo aquele tempo?
_Ficou. Acho que a minha mãe chorou por uma semana. Eu chorei por um mês, ou mais.
_Sério?!
_Ah, mano, eu me sentia uma puta decepção para eles. Foi foda. Eu não tinha a confiança que tenho hoje, ficava envergonhada. Comecei a evitar ir para a casa, fazia qualquer coisa pra não ver eles, ia dormir na minha ex ou no Fer, ficava até tarde na rua, mas toda vez que voltava os dois me olhavam como se eu tivesse partido o coração deles... Foi uma merda por um tempo.
_Ah... Podia ser pior, sabe? Conheço gente que sofreu muito depois de sair do armário. Cê lembra do Gui, meu amigo?
_O que tava na festa?
_Esse. Meu, o pai batia nele desde pequeno por ser afeminado e, um dia, quando ele era adolescente, pegou ele na rua junto com um cara. Até hoje eles não se falam.
_Sério?
_Sim. E o pior é que todos os irmãos são evangélicos, meu. Então, volta e meia um liga para dizer que o Gui vai matar a mãe de desgosto. Ele não tem ninguém na família. Ninguém. É totalmente sozinho.
_Mano, me dá tanta raiva essas coisas – a Mia esfregou o rosto com as mãos, angustiada – É muito escroto.
_Muito. E ainda tem gente que acha que ser viado é ser fraco. Meu, só o que a gente aguenta de insulto e porrada da vida...
_Não.
_Nem quando você ainda tava, sei lá, se descobrindo ou...
_Não, meu.
_Nunca?
_Mia, escuta, eu não trocaria meu coração por um hétero nem por um milhão de reais – garanti, segura – Eu amo ser sapatão.
_Não é verdade...
_É sério. Acho que me expulsariam de casa na mesma hora.
_Bom... – fiz graça, quebrando o clima pesado – Também já tá meio na hora de você sair, né? Vinte anos nas costas, meu...
_Cala boca... – ela riu.
_O único problema é que não sabe nem fritar um ovo direito – insisti, a zoando, e a Mia começou a me encher de tapa no braço, se divertindo.
_Trouxa!
5 comentários:
ainnn .. sem net em ksa e agora ?! .. o jeito tah sendo ir no laboratório de informática da facul .. só pra ver se tem postagem nova ..=D
Tudoo de bom.. elas estão evoluindoo!!!Ain, q coisa gostosaa de imaginar!!!
Beijão linda... cada dia melhor!!!
ahh.. tento.. mas não consigo não comentar.. =/
Otimo!!
Rr! ;*
Taa lindo parabéns!
Posta mais por favor *o*
;*
Fofo ok? ai coitado do Fê ...
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