Me apoiei na parede, sentindo a água correr pela minha nuca,
esperando que ela levasse toda a minha ansiedade ralo abaixo. No entanto,
quanto mais eu demorava no banho, mais nervosa eu ficava. A ideia da Clara
dividindo o mesmo cômodo que a Mia por tanto tempo me incomodava. Ainda assim,
minha hesitação me mantinha embaixo do chuveiro. O que diabos eu faço agora? Respirei
fundo. De um jeito ou de outro, eu estava ferrada. Não havia chance da Mia relevar aquela
entrada triunfal.
Ah, quer
saber?, fechei a torneira, num impulso, se eu já tô no Inferno, é melhor ir em frente
e abraçar o capeta de vez. Que se
foda, me enxuguei
rapidamente e fui direto para o quarto. Decidi meter a roupa mais sapatão possível
no corpo e ir dar para a Mia um motivo real para se incomodar, tascar o maior
beijo que pudesse na Clara. É. Às vezes, me batiam uns impulsos meio burros.
Acho que nunca tive muita paciência para esperar para ver – ou largava mão, ou
fazia três vezes pior para acabar logo com a tensão.
Parei na frente do armário e analisei as opções. Nunca fui de me
arrumar muito, a não ser por um bom motivo – e a Mia era um deles. Também nunca
fui de usar vestidos, sempre me senti como o Ken enfiado contra a sua vontade
nas roupas da Barbie. Desagradável.
Sentia-me melhor com camisetas, All Star e skinny jeans. Qualquer trapo que
ornasse com aquele meu cabelo bagunçado, grunge, cortado de qualquer jeito por
mim mesma.
Tudo em mim sempre gritou “caminhão”. E eu gostava disso. Me
irritava quando as pessoas diziam que “tudo bem ser lésbica, só não precisa
virar caminhoneira”. Como se a feminilidade fosse tornar minha sexualidade mais
aceitável. Ou menos pior. Meu cu. Quanto mais eu pudesse me afastar
da norma, melhor eu me sentia. Tá. Mas agora, hesitei, o
que uma garota veste para impressionar uma menina que gosta de
meninos? Não podia usar nenhuma daquelas calças que a Mia já tinha
visto em mim um bilhão de vezes. Queria que ela olhasse para mim. Realmente
olhasse.
Alguns minutos de indecisão depois, puxei do armário uma bermuda rasgada,
uma regata e um coturno, amarrando uma flanela que a Mia gostava na cintura. É, pensei, me sentindo o último
caminhão da BR-116, é isso. E conforme me aproximei da sala, pude ouvir
o rádio berrando um LP do Roxy Music. “Lift up your feet and put them on the
ground, you used to walk upon…”, cantarolei,
passando pelo corredor, “...when we were
young”. Eu adorava o Bryan Ferry.
_Eita. Cadê todo mundo? – perguntei, surpresa, ao chegar na sala e
me deparar com minhas duas convidadas sentadas sozinhas no sofá.
_Quem?
_A Mia e o Fer, aonde eles foram?!
_Dormir, não sei... Resolveram ir para o quarto.
_M-mas... como assim? Quem resolveu? Ele ou ela?
_Sei lá... – a Clara riu – ...faz diferença?
Muita.
Lá se ia o meu plano brilhante. Mas fingi não me incomodar e neguei
com a cabeça, sorrindo de volta para a Clara. Já estava quase na hora da balada
abrir e eu convenci as garotas a agilizar o nosso esquenta para sair o quanto
antes daquele apartamento, argumentando que a entrada era mais barata até a
meia-noite. A real é que eu estava completamente frustrada, depois de ficar me
arrumando para alguém que não estava lá. E que nem queria me ver. Devia ter previsto essa, pensei.
_Quem?
_A Mia e o Fer, aonde eles foram?!
_Dormir, não sei... Resolveram ir para o quarto.
_M-mas... como assim? Quem resolveu? Ele ou ela?
_Sei lá... – a Clara riu – ...faz diferença?
7 comentários:
ah, Mel... assim você ME frustra!
Engraçado que eu imaginava a FM bem masculina.SURPRESAAAAA
Verdade, preferia que ela fosse com a regata e de shortinho, mas com o All Star só pra deixar um apelo sutil ..Oh yeah I'm gay...
Igual àquela cena épica do filme "Flashbacks of a fool": http://www.youtube.com/watch?v=au8cCvGk9eU&feature=related
FM de salto?! :O
Que salto? Sandália rasteira sapatão, rs
HAHAHAHA, doce ilusão minha...
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